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terça-feira, 18 de novembro de 2014

Boletim da Falta d'Água em SP:




17/11/14

- A notícia-de-todos-os-dias – o nível dos sistemas – é a mesma de todos os dias: está caindo. O nível. Dos sistemas. Caindo. O nível. De todos eles. Caindo. Um dia zero vírgula dois, outro dia zero vírgula três por cento. Caindo. Em novembro. (http://bit.ly/11eXcnj)
- A novidade da notícia-de-todos-os-dias de hoje é que a Folha fez um cálculo bem interessante: considerou todos os sistemas que abastecem São Paulo e a região metropolitana como se fossem uma coisa só, e verificou que o nível desse “sistema unificado” está em 14,68%. Só não sei se nesse cálculo o Sistema Cantareira conta como estando em 10,3% de sua capacidade (número de mentirinha que inclui os volumes mortos) ou em cerca de -20% (número da vida real). 
- Mas a notícia específica do dia de hoje é: autoridades do governo federal e estadual reuniram-se em Brasília para discutir o pacote de obras em São Paulo (http://bit.ly/1zxLgJ9) e a ministra do Planejamento já garantiu que a “ajuda” (i.e. grana) do governo federal será definida até a semana que vem (http://bit.ly/1EX7nf1). “A presidente Dilma (Rousseff) está disposta a ajudar o governo de São Paulo e vamos discutir onde é mais adequado o governo federal entrar”, disse a ministra do Planejamento.
- Vamos atentar para como a questão ambiental foi abordada na reunião. Cito a Ministra do Meio Ambiente: “Na quinta, teremos técnicos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para detalhar a questão do licenciamento com técnicos do Ministério do Meio Ambiente. Há a questão da Mata Atlântica, mas a legislação permite a supressão de vegetação para obras de utilidade pública, com posterior recuperação da área”.
- Ou seja: a realização das obras não é uma questão sobre a qual os técnicos da Cetesb ou do MMA tenham qualquer autoridade. Eles estão ali para garantir o licenciamento, e só. As obras vão sair, a ministra do Planejamento já deixou isso bem claro: resta saber como iremos adequá-las à legislação ambiental vigente.
[- Como deveria ser: o governo enfrenta um problema e propõe uma obra para solucioná-lo. Os técnicos ambientais avaliam o projeto e concluem se dá para fazer ou se não dá. Se der, ótimo. Se não der, o governo que busque outra solução mais adequada. 
- Como é: o governo enfrenta um problema e propõe uma obra para solucioná-lo. Os técnicos ambientais que se virem para aprová-la.]
*** 
- Tem esse cara que eu conheço, alcoólatra, que sofre de cirrose hepática. Ele quer se tratar, claro, cirrose é uma coisa horrível – mas já avisou o médico que continuará tomando dois litros de uísque por dia.
- Nossas autoridades pretendem ~combater a crise hídrica~ com “novas e caras obras que não cuidam das nascentes, não recuperam áreas já exploradas e não reduzem consumo e perdas, repetindo o padrão histórico insustentável” (http://on.fb.me/1wZ5aNL). Não tem como não dar errado.
E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    15 e 16/11/14

    - O diretor da Sabesp Paulo Massato disse que faltará água em São Paulo em 2015 e 2016, caso continue chovendo pouco (http://bit.ly/1q3ffsq). De lambuja, vai faltar energia também.
    - Esse diretor é o mesmo que, naquele áudio que vazou de uma reunião da Sabesp, afirmou que a empresa teria de dar férias para 8,8 milhões pessoas em 2015 (número de consumidores atendidos pela Sabesp) (http://bit.ly/1wl1O8O).
    - Não custa lembrar: estamos em novembro, está chovendo menos do que a média histórica (http://bit.ly/113EZZm) e o nível dos principais sistemas que abastecem a RMSP está caindo (http://bit.ly/11gyraa).
    ***
    - Para não esquecer:
    - (1) Enquanto alguns cavam buraco para obter água para cozinhar (http://bit.ly/1qIlmg8), outros compram água mineral para seus lulus da pomerânia (http://bit.ly/1sVEI2m). 
    - (2) Se em um bairro os bombeiros não encontram água no hidrante para apagar um incêndio (http://glo.bo/1xM5kbs), em outro uma pessoa provavelmente jogará fora 35 mil litros de água de sua piscina, por não ter como doá-los (http://bit.ly/1sZtVmR). 
    ***
    - Enquanto isso, o jornal O Estado de S. Paulo afirma em editorial (http://bit.ly/1xvnYpq) que a ministra do Planejamento fez uma afirmação que “não corresponde à verdade”, pois criticou a ausência de obras de longo prazo na proposta apresentada por Alckmin ao governo federal. Lembremos que ONGs especialistas no tema criticaram a proposta do pacote de obras (http://on.fb.me/1wZ5aNL) por não incluírem qualquer iniciativa de recuperação e proteção de mananciais (isso sim seria pensar no futuro); mas, para O Estado de S. Paulo, pensar no futuro (i.e. no longo prazo) significa propor obras que ficarão prontas em 3 anos.
    -  O editorial também desaprova uma fala da Ministra do Meio Ambiente, para quem a situação em São Paulo é “crítica”. Sim, pois como sabemos, a situação não é crítica e sim magnífica: afinal, não falta água em São Paulo (http://bit.ly/1ACEhCY).
    - Além disso, o editorial critica a criação de um “grupo de trabalho para estudar o problema”, pois segundo o jornal “grupos de trabalho” não levam a nada.
    - Quer dizer: para O Estado, não pode estudar o problema; aliás, não pode nem mesmo dizer que *há* um problema, já que afirmar que a situação em São Paulo é “crítica” (termo, aliás, altamente eufemístico para descrever o que se passa no estado) é “deixar de lado o tom conciliador”.
    - Para o jornal, o governador de São Paulo é mesmo um injustiçado: o presidente da ANA “atacou novamente, com a agressividade habitual”. Dizer que é necessário um dilúvio para que o nível do Cantareira volte ao normal configura, para O Estado de S. Paulo, uma agressividade inaceitável – ainda que rigorosamente a mesma coisa venha sendo dita há tempos pela própria presidente da Sabesp (http://glo.bo/1vwOEoN) (http://bit.ly/1otZ6Lw).
    - O jornal acusa ainda o presidente da ANA de “disseminar o pânico na população, como afirmou com razão o governo paulista. Tratar coisas sérias, pelo menos no que se refere à crise hídrica de São Paulo, em tom de galhofa, com chocante irresponsabilidade, totalmente incompatível com o cargo que ocupa, virou hábito para Andreu.” 
    - Aqui eu só tenho uma coisa a dizer: “tratar coisas sérias em tom de galhofa, com chocante irresponsabilidade, totalmente incompatível com o cargo que ocupa” é afirmar que não falta água em São Paulo e que o abastecimento está garantido em 2015 (http://bit.ly/1BEP6VL) quando um dos diretores da empresa responsável precisamente por garantir esse abastecimento afirma que, tudo continuando como está, a água faltará não apenas em 2015 como também em 2016.
    - Para concluir com “fecho de ouro”, para usar uma expressão do próprio editorial, o último parágrafo retoma um dos grandes Clássicos da Crise Hídrica™. Vamos lá, repitam comigo, todo mundo junto (mas sem pânico, por favor):
    A
    CULPA
    É 
    DE
    SÃO 
    PEDRO
    ***
    - P.S. Um poço artesiano em São Paulo atualmente está na casa de R$50 mil (http://bit.ly/1sW34cm). Podemos esperar para breve um editorial d’O Estado de S. Paulo afirmando que a culpa pela falta d’água é dos consumidores que não perfuraram seu próprio poço.
    - P.P.S. Nada muito diferente, aliás, do que já disse o Secretário de Recursos Hídricos de São Paulo, para quem a falta d’água é responsabilidade do povo que não tem caixa d’água em casa (http://bit.ly/1A4HEl0). 
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    14/11/14

    - No boletim de 18 e 19/10 (http://bit.ly/1GYHCwP), eu me perguntava o que aconteceria depois do segundo turno, já que depois do primeiro todas as regiões da cidade de São Paulo passaram a registrar problemas no abastecimento (http://bit.ly/1rucERU). Passado o segundo turno, tivemos o seguinte:
    - Alckmin enfim se reuniu com Dilma para discutir a crise (http://bit.ly/10SPbEi) – e propôs obras que não resolvem o problema, de acordo com quem entende do assunto (http://bit.ly/1EBlip0); 
    - Reajuste da tarifa acima do previsto em dezembro (http://bit.ly/1GYJ02H).
    ***
    - Não surpreendentemente, o lucro da Sabesp caiu 81% no terceiro trimestre em comparação com o mesmo período do ano anterior (http://glo.bo/1yGhocu). E a gente achava que só a OGX prometera aos acionistas um produto (no caso, petróleo) que não tinha para oferecer.
    - Mas sejamos justos: a Sabesp não iludiu seus acionistas, alertando-os em abril deste ano para o impacto da estiagem nos resultados da empresa (http://bit.ly/1uvpPbf) (http://bit.ly/1yGjuJn). 
    ***
    - O Cantareira ficou estável hoje (http://bit.ly/1BsGmSw); 
    - Por outro lado (e com muito menos destaque na imprensa), caiu o nível dos sistemas Alto Tietê, Guarapiranga, Alto Cotia e Rio Claro (http://bit.ly/1ixYbCW);
    - Por fim, um apelo às redações deste Brasil: plmdds parem de reciclar matérias sobre “aplicativos que ensinam a economizar água” (http://bit.ly/1BsCpgv) (http://glo.bo/1pZ335j). Quando inventarem um aplicativo que ensina governantes a preservar mananciais, aí sim vocês mandam um repórter fazer uma matéria nova, por favor.
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que domingo tem o boletim do fim de semana.

    13/11/14

    - Palavras da procuradora responsável pela área de abastecimento no MPF/SP: “Estamos a depender do retorno das chuvas. Mas essa aposta levará ao esgotamento do Cantareira, deixando à própria sorte 14 milhões de pessoas” (http://bit.ly/1vawTM5)
    - Palavras do presidente da ANA: “Qual a solução para essa situação [falta de água na Cantareira]? Chuva. (…) A maior região econômica do país está refém das chuvas.” O presidente da ANA lembrou ainda que as obras propostas por Alckmin ao governo federal levarão de um a dois anos para serem concluídas e começar a produzir efeitos. (http://bit.ly/113EZZm)
    - Ou seja: se não foi São Pedro quem provocou esta crise, agora – agora, já, para o mês que vem, para o início do próximo ano – não há obra mágica que resolva: agora, paulistas, só São Pedro salva.
    ***
    - Considerarei mais detidamente três textos publicados entre ontem e hoje, cuja leitura recomendo na íntegra: (1) “O Brasil é uma dádiva da Amazônia”, do Diego Viana (http://bit.ly/1EBlip0); (2) a crítica da Aliança pela Água às propostas discutidas por Alckmin e Dilma (http://on.fb.me/1wZ5aNL); (3) a carta da ANA ao DAEE sobre a proposta de uso da segunda cota do volume morto (http://bit.ly/1znBRDX).
    - Citarei apenas os aspectos do texto do Diego (1) (cujo disparador é a relação entre o desmatamento da Amazônia e a seca no Sul) que nos interessam mais de perto:
    (a) assim como o Egito é uma dádiva do Nilo, o Brasil é uma dádiva da Amazônia;
    (b) recebendo da Amazônia o presente da água, o Brasil exporta essa água para longe, dado que boa parte dos nossos produtos de exportação são commodities que demandam um imenso volume de água para serem produzidas (soja, frango, cana, carne);
    (c) em 1860, a cidade do Rio de Janeiro estava em situação semelhante à cidade de São Paulo em 2014: a água estava começando a faltar. D. Pedro II ordenou então o replantio da Floresta da Tijuca, projeto que durou 13 anos;
    (d) obviamente, porém, a área que precisamos reflorestar hoje é incomensuravelmente maior;
    (e) obviamente, também, ninguém quer investir nisso quando é muito mais lucrativo extrair todo o sumo e depois descartar o bagaço;
    (f) o desenvolvimentismo (que INVESTE e insiste em usinas como Belo Monte e Tapajós) pressupõe um mundo que não existe mais.  
    Note-se que o custo de manter o ecossistema vivo em vez de reduzi-lo a um bagaço é até baixo se comparado ao custo das obras de infra-estrutura (R$3,5bi) que Alckmin acaba de propor ao governo federal: para a Bacia do Rio Paraíba do Sul, por exemplo, o custo seria de R$4,4bi divididos entre três estados ao longo de duas décadas. Segundo a ex-presidente do Inea, de 2007 para cá foram investidos cerca de 3% dos recursos necessários. Não, eu não digitei errado: investiu-se 3 (três) por cento do previsto (http://glo.bo/1GKHmS4).
    - O descaso para com o meio ambiente é uma das principais críticas da Aliança pela Água (2) ao pacote de obras que está sendo discutido por Alckmin e Dilma: 
    (a) as obras não traçam um plano de contingência claro e seguro que mostre como chegar a abril/2015 em níveis seguros para enfrentar o próximo período de estiagem;
    (b) “não foi feita qualquer menção sobre recuperar e cuidar dos mananciais existentes (restauração florestal, ampliação de parques, pagamentos por serviços ambientais)”;
    (c) em vez disso, propôs-se mais do mesmo, isto é, a construção de obras caras para *retirar* mais água (em vez de *cuidar* das nascentes e *reduzir* o consumo para diferentes tipos de usuários, incluindo agricultura e indústria). 
    - E por falar em extrair o sumo até que só reste o bagaço, seguem trechos da carta da ANA ao DAEE, autorizando a captação da segunda cota do volume morto (3):
    (a) a ANA concordou com a captação do segundo volume morto “para evitar a descontinuidade do fornecimento de água” (i.e. para que não morramos de sede), porém mediante autorização de parcelas sucessivas;
    (b) mas não podemos esquecer que, segundo o presidente da ANA, a Sabesp já vem captando o segundo volume morto do Atibainha, um dos cinco reservatórios do Sistema Cantareira (http://glo.bo/1GKHmS4);
    (c) para a ANA, as retiradas têm de levar em conta que é preciso chegar a 30/04/15 (fim do período de chuvas) com 10% do volume útil do Sistema;
    (d) porém, “O planejamento da operação do Sistema Cantareira, apresentado pela Sabesp e utilizado na proposta encaminhada pelo DAEE, não considerou o estabelecimento de um volume meta mínimo a ser garantido em 30 de abril de 2015. (…) A afluência média observada ao Sistema, em outubro foi de 3,96 m3/s e, nos 12 primeiros dias de novembro, é de 6,84 m3/s. São valores muito inferiores aos 15,44 m3/s e 23,72 m3/s previstos pela Sabesp no seu pior cenário, para outubro e novembro, respectivamente”;
    (e) por outro lado, a ANA considerou razoável a vazão média afluente considerada pelo DAEE (7,5 m3/s) para captação do segundo volume morto em novembro. 
    - Por fim, vocês se lembram que a Sabesp está dando desconto para quem economiza água (http://glo.bo/1vazcil). Só que em dezembro provavelmente a tarifa irá aumentar (http://bit.ly/1EIvX3j) ¯\_(ツ)_/¯
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    12/11/14

    - E eis que a segunda cota do volume morto começará a ser oficialmente captada em 15/11/14 (http://bit.ly/ZVKU2f – ver nota de 12/11/2014, 15:01). Digo oficialmente porque a ANA alega que a captação já começou ilegalmente (isto é, antes de ter sido autorizada) em meados de outubro (http://bit.ly/1FFL1QF); Alckmin nega (http://glo.bo/1nrCyKK).
    - Mas como eu ia dizendo, oficialmente a captação começa dia 15/11; atualmente a primeira cota está em 0,3% (ver link acima). Segue um breve histórico das previsões de utilização da segunda cota do volume morto:
    - Em 29/09, Alckmin afirmou que talvez nem fosse preciso utilizar a segunda cota, afinal o pior período da seca já passara (http://glo.bo/1D5zmZ0). Como vimos, precisou; Alckmin, no entanto, continua afirmando que o pior da seca já passou (http://bit.ly/1EmTlmS).
    - Quatro dias antes (em 25/09), porém, o próprio Secretário de Recursos Hídricos do estado de SP afirmara que, se não chovesse, a primeira cota duraria até 21/11 (http://glo.bo/1n9wIxP). Errou por apenas seis dias, portanto.
    - A presidente da Sabesp, por sua vez, disse o mesmo em 15/10: que a água acabaria em meados de novembro, caso não chovesse (http://glo.bo/1vwOEoN).
    - No dia seguinte, 16/10, Alckmin afirmou que a fala da presidente da Sabesp fora deturpada, já que ainda teríamos 108 bilhões de metros cúbicos de água na segunda cota.
    - Para a especialista e ativista Marussia Whatley, do projeto Água São Paulo, a captação desses 108 bilhões de metros cúbicos representa a entrada no “segundo cheque especial” do Sistema Cantareira (http://bit.ly/1u2tPPa).
    - Mesmo assim, o superintendente do DAEE continua trabalhando com previsões otimistas: segundo Alceu Segamarchi Júnior, se chover 70% da média histórica, em abril o Cantareira estará em 10% de sua capacidade; se chover dentro da média, estará em 25% (http://bit.ly/ZVKU2f – ver nota de 12/11/14, 13:53).
    - Esses números são diferentes de uma previsão da ANA divulgada em outubro: para a agência federal, se chover 70% da média histórica, o Cantareira chega em abril com -5% (sem ter recuperado todo o volume morto, portanto); se chover na média, chegará em abril com 37% (http://bit.ly/1rsaIcS). 
    - Não custa lembrar, porém, que em outubro choveu 32,49% da média histórica no Cantareira – eu mesma calculei esse percentual fazendo uma regra de três (http://bit.ly/1unsdRi).
    - Além disso, disse o superintendente do DAEE: “Se chegarmos a abril [do próximo ano] com 10% [do nível do Sistema Cantareira], estaremos em uma situação confortável”. Só posso concluir, portanto, que para o superintendente vivemos uma situação confortável agora, porque essa previsão para 2015 é exatamente o que vem ocorrendo este ano: em abril de 2014, o Sistema estava a 10,7%. 
    - A Sabesp informa: a redução de pressão durante a noite é para sempre (http://bit.ly/1pQQhwc). A empresa vende a medida como uma estratégia racional de economia de água. O problema é que, na prática, 1) a “redução de pressão” significa falta d’água para muita gente (60% dos paulistanos segundo pesquisa da Folha; 2% segundo a Sabesp); 2) um especialista alerta que a redução de pressão pode acarretar a contaminação da água. 
    - Consideremos o número da Sabesp por um momento: 2% da população de São Paulo é “atingida pela redução de pressão” – eufemismo para “fica sem água”. Dois por cento – parece um numerinho tão inocente e pequenininho, não? Acontece que, no universo populacional da Grande São Paulo, dois por cento significam nada menos que QUATROCENTAS MIL PESSOAS. Quatrocentas mil pessoas com problemas no abastecimento, segundo dados oficiais da própria Sabesp.
    - Para terminar (1), uma notícia excelente: a ANA está oferecendo diversos cursos online gratuitos sobre recursos hídricos. As inscrições vão até 16/11  (http://bit.ly/1sEzRTc).
    - Para terminar (2), uma notícia brochante: pelo que entendi, as audências da CPI da Sabesp (http://bit.ly/1sEPaez) não serão transcritas e postadas no site da Câmara. Só as sessões ordinárias e extraordinárias da Câmara estão disponíveis no site. É uma pena, pois a transcrição dessas audiências constituiria fonte de pesquisa inestimável para quem está tentando entender o que aconteceu com a água de São Paulo.
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    11/11/14

    - No estado cujo governador afirma que não falta água, quarenta pessoas compareceram à CPI da Sabesp na Câmara de SP para dizer que falta água em suas casas (http://bit.ly/1qDeUHv).
    - A Sabesp achou importante informar que uma das quarenta pessoas que depôs na Câmara, o presidente da Sociedade de Amigos do Bairro Parque Edu Chaves, é do mesmo partido que o presidente da CPI (http://bit.ly/1qDeUHv).
    - Obrigada, Sabesp, o recado foi dado: agora já estamos sabendo que essa CPI é coisa de petralha (ainda que o partido do presidente da CPI seja o PHS).
    - E por falar em CPI, por favor acompanhem meu raciocínio um instante. Ontem, comentei que a proposta apresentada por Alckmin ao governo federal não incluía a recuperação florestal e de mananciais (http://bit.ly/10TDv3R), mas isso obviamente não significa que o governo estadual não tenha obras de recuperação ambiental. Vejamos, por exemplo, o caso do Rio Tietê.
    - Em 2003, Alckmin prometeu entregar o Rio Tietê limpo e navegável até o segundo semestre de 2004 (http://bit.ly/10Xn1bs).
    - Em 2014, Alckmin prometeu entregar o Rio Tietê limpo até 2019 (http://bit.ly/1pP7gPx).
    - Ao renovar a promessa este ano, Alckmin disse que houve avanços na despoluição: segundo o governador, a “mancha de poluição” do rio retrocedeu 130km de Barra Bonita para Salto.
    - De fato, há bastante poluição no rio na altura de Salto, conforme verificou a repórter Laura Capriglione. Ela esteve em Itu (a menos de 8km de Salto) e viu um rio completamente poluído, “espumando sabões e detergentes” e com as margens cheias de lixo (http://bit.ly/1AXEhxz).
    - Não consegui descobrir o quanto a situação do rio melhorou de 2003 para cá na altura de Barra Bonita, mas o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Tietê afirmou o seguinte em setembro deste ano: “O rio Tietê ainda recebe uma grande carga de poluidora. Existe um grande número de cidades que não tratam os seus esgotos e lançam esse esgoto in natura e esse esgoto, obviamente, causa poluição” (http://glo.bo/1zL5Usa).
    - Se um projeto que:
    - deveria ter sido concluído há uma década e não o foi;
    - permanece em andamento com nova previsão de término para daqui a cinco anos;
    - tem investimentos previstos de U$2bi (R$5,1bi) entre 2009 e 2016 (http://bit.ly/10TCUz6) (bem mais, portanto, do que os R$3,5bi pedidos ao governo federal para as obras de infraesturutura);
    - apesar de todo esse investimento, não apresentou resultados positivos no ano de 2013 (http://bit.ly/10TCUz6)… 
    - … se esse projeto não merece ser investigado em uma CPI – com ampla divulgação para a sociedade do quanto foi investido nos últimos dez anos, de onde vieram esses recursos, quais os resultados obtidos, o que funcionou, o que fracassou etc –, então não sei o que merece. 
    (- Essa CPI teria de ser instaurada preferencialmente na Alesp, já que diz respeito a todo o estado de São Paulo.) 
    ***
    - Que mais? O nível de todos os sistemas que abastecem a Grande São Paulo continua caindo (http://bit.ly/1qDeJfl).
    - A água que está sendo distribuída em áreas públicas de Itu está contaminada (http://bit.ly/1tEVDpc).
    - Diz a Folha: “devido à escassez de chuva, a população de Itu enfrenta racionamento de água” (http://bit.ly/1tEVDpc).
    - Pobre São Pedro; depois de tudo o que aprendemos sobre Itu (http://bit.ly/1AXEhxz), ainda há quem o considere culpado.
    E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    10/11/14

    - Começo o boletim de hoje com uma notícia que, se não chega a ser boa, sem dúvida é um alento: foi publicada hoje a melhor reportagem já feita sobre a crise da água em Itu (http://bit.ly/1AXEhxz). Tentarei resumi-la aqui, mas fica minha mais enfática recomendação para que ela seja lida na íntegra:
    - O serviço de água e esgoto de Itu foi privatizado em 2007, quando a Águas de Itu venceu a concorrência da Prefeitura prometendo acabar com os problemas de abastecimento enfrentados pela cidade no passado.
    - Este ano, em alguns bairros as torneiras já estão secas há 55 dias.
    - Apenas após o protesto de 22/09 a Prefeitura e a Águas de Itu anunciaram a construção de uma adutora para trazer água de um rio próximo da cidade - garantindo, assim, o abastecimento de 100 mil dos cerca de 163 mil habitantes de Itu.
    - Além disso, foi só na semana passada que a Águas de Itu anunciou o desassoreamento dos reservatórios que abastecem a cidade, o que aumentará sua capacidade de armazenamento em 30%.
    - Estas medidas só estão sendo implementadas AGORA. Em janeiro, quando já se sabia que a seca era grave, nada foi feito. Se a construção da adutora tivesse sido iniciada em janeiro, em maio já estaria pronta e os problemas hoje não seriam tão graves. 
    - São inúmeros os casos de idosos, doentes e crianças sem água em Itu (http://bit.ly/1uriKKM). Para alguns, porém, há água em abundância: a Brasil Kirin, fabricante da cerveja Devassa e outras bebidas, capta 64,25% dos 3,250 bilhões de litros de água que utiliza por ano diretamente dos lençóis freáticos da cidade, através de poços artesianos. 
    - Tampouco falta água para os moradores de condomínios de luxo da cidade. Para os *moradores*, bem-entendido: a reportagem da Ponte constatou que um funcionário de um desses condomínios, responsável pelos cuidados com a piscina, estava há 22 dias sem água em casa.
    (- Pausa para associação livre (1): minha avó sempre me disse que “a gente pode até ser pobre, mas porco jamais”. Segundo ela, pobreza não era desculpa para deixar a casa suja e descuidada: mesmo a pessoa mais pobre tinha condições de manter a casa limpa. Essa lição de vida de minha avó obviamente não vale mais: experimente manter uma casa limpa sem água nas torneiras há 22 dias.)
    ((- Pausa para associação livre (2): bons tempos aqueles em que se media a riqueza de uma pessoa pela quantidade de objetos que ela era capaz de adquirir: pobre era quem tinha pouco ou nenhum dinheiro para comprar bugigangas, rico era quem tinha dinheiro suficiente para adquirir mais bugigangas do que era capaz de utilizar. A diferença agora, como mostra esta reportagem sobre a privatização da água em Itu, é que a água entrou definitivamente para a categoria de coisas que o dinheiro pode comprar. Próximo item a entrar para essa categoria: o ar – http://bit.ly/10O1nWw.))
    - Um último spoiler do texto: já está rolando TRÁFICO DE ÁGUA em Itu. (E tem gente preocupada com o tráfico de maconha.)
    *** 
    - Mas a principal notícia de hoje, claro, é a reunião (http://bit.ly/10SPbEi) em que Alckmin propôs ao governo federal a realização de oito obras com efeitos de curto e médio prazo para melhorar o abastecimento de água em São Paulo (muito embora me seja difícil compreender como é possível *melhorar* um sistema de abastecimento que já é perfeito – afinal, segundo o governador, não falta água em São Paulo – vimeo.com/109652047). Deixemos, porém, essa questão retórica de lado; agora é #FocaNaObra 
    - As obras vão custar caro – R$ 3,5 bi –, mas o governo federal vai ajudar, então tá dibôua (http://bit.ly/1swVxka). A proposta é construir e interligar reservatórios, construir estações de produção de água de reúso e construir poços artesianos. 
    - As obras de construção e interligação de reservatórios e as estações de produção de água de reúso são obviamente bem-vindas; já sobre os poços artesianos para captar água do aquífero Guarani, há controvérsias (http://bit.ly/146wiQe).
    - Comparemos a proposta do governo estadual com a Agenda Mínima (http://aguasp.com.br/#agenda) da Aliança pela Água (http://bit.ly/1ys7U4y), uma coalização de ONGs ambientais que propõe soluções para a crise da água em São Paulo.
    - Das 20 ações sugeridas pelas ONGs, apenas UMA foi contemplada pela proposta levada por Alckmin ao Planalto: a construção de estações de água de reúso.
    - Destaco quatro ações fundamentais – duas de curto e duas de longo prazo – elencadas pela Aliança pela Água que não foram propostas pelo governo estadual (nem sugeridas pelo governo federal): multa para usos abusivos; ações para grandes consumidores (indústria e agronegócio); recuperação e proteção dos mananciais; recuperação florestal.
    - Isto posto, não posso deixar de perguntar: é pedir muito que o governo estadual tenha uma abertura maior à sociedade civil? Em termos práticos: o que impede o governo de estabelecer um diálogo efetivo com essas ONGs (WWF, SOS Mata Atlântica, ISA, dentre outras), que obviamente entendem do assunto e teriam muito a colaborar? 
    ***
    - De resto, nada mudou: reservatórios caem (http://bit.ly/1ugQokw); represas sofrem (http://bit.ly/1GJMl5m); bispos oram (http://bit.ly/1oEaioP). 
    E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    08 e 09/11/14

    - Se até outubro a manchete sobre a falta d’água mais repetida em todos os jornais paulistas foi alguma variante de “Nível do Cantareira continua a cair”, em novembro isto mudou: agora, a manchete que vemos todo dia nos jornais é “Nível do Cantareira continua a cair *apesar das chuvas*” (http://bit.ly/1EjjvVz) (http://bit.ly/1tSlXj7).
    - Recordar é viver (1): um especialista já disse que só depois de um mês de muita chuva o sistema voltará a encher (http://bit.ly/1wnDalo). 
    - Recordar é viver (2): o sistema está demorando a encher justamente porque já avançamos sobre o volume morto, o que provocou o aumento da absorção de água pelo solo (vide link acima).
    - Conclusão óbvia e nada brilhante mas que precisa ser dita: se o governo do estado, já no começo do ano, tivesse implementado medidas como racionamento, fim dos DESCONTOS para grandes consumidores, multas por consumo excessivo etc., hoje poderíamos a) ter preservado o volume morto dos reservatórios; b) ter manchetes “nível do Cantareira volta a subir”.
    - Mas o que temos para hoje é: como convencer as pessoas de que é preciso continuar economizando água mesmo que esteja chovendo (http://glo.bo/10JYqGK)? Em outras palavras – de que adianta especialistas alertarem que “a estiagem vivenciada é só uma mostra do que virá pela frente” quando o governador de São Paulo afirma que “o período mais crítico da estiagem já passou e (…) a crise hídrica está com seus dias contados” (http://bit.ly/1EmTlmS)? 
    - Embora a crise esteja com os dias contados, só por via das dúvidas Alckmin se reunirá com Dilma amanhã para juntos buscarem “uma saída para a crise hídrica em São Paulo” (http://bit.ly/1uUwxd5). Oremos para que esta saída não seja o aeroporto.
    E esse foi o boletim do fim de semana. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    07/11/14

    - Adivinhem: não só não falta água em São Paulo agora (http://bit.ly/1ACEhCY) como também não faltará no ano que vem (http://bit.ly/1pyuitN) e inclusive não apenas jorrará água das nossas torneiras como também leite, mel e cerveja e vocês me desculpem mas não estou sabendo mais o que dizer sobre essas declarações diárias de que não-falta-e-não-faltará-água.
    - Em compensação, eis uma reportagem sobre a qual há muito o que dizer e discutir: a BBC Brasil explica o que 6 cidades do mundo fizeram para garantir o abastecimento de água à população, e quais das estratégias utilizadas poderiam ou deveriam ser empregadas em São Paulo (http://bbc.in/1ACFXMQ). Spoiler: Nova York vem investindo desde 1990 na proteção de mananciais. E São Paulo? Como temos visto, a grande solução que está sendo considerada por nossas autoridades neste momento (foi proposta pelo governo de São Paulo e considerada viável pela ANA) é a transposição do Rio Paraíba do Sul (http://bit.ly/1teiveU). O problema disso, nas palavras da especialista em recursos hídricos Marussia Whatley, é que o plano de São Paulo é “[avançar] sobre outras fontes de água sem cuidar da água que tem disponível atualmente”. Ou seja. Passear na Quinta Avenida musical na Broadway cooper no Central Park selfie na Estátua da Liberdade – todo mundo qué. Preservar manancial que é bom – isso ninguém qué. 
    - Lembram-se de quando a presidente da Sabesp disse que ordens superiores impediram a empresa de convocar a população a economizar água? (http://bit.ly/1wl1O8O) Pois bem: hoje ela explicou que estava errada e as ordens superiores é que estavam certas, já que 80% dos clientes da Sabesp acabaram economizando afinal (http://bit.ly/1otZ6Lw). O interessante é que ela apresentou esse mea-culpa por escrito, recusando-se a falar a respeito.
    - Mas não foi apenas sobre isso que Dilma Pena se recusou a falar. Ela também se recusou a afirmar que o plano da Sabesp vai dar certo: “não [tenho] como afirmar se as medidas (adotadas diante da seca) serão suficientes para evitar problemas no abastecimento de água caso o regime de chuvas persista da maneira anômala atualmente vivida” (http://bit.ly/1otZ6Lw).
     - Vamos lá: a presidente da empresa de saneamento que atende 364 municípios paulistas (http://bit.ly/1ACQbgf) está dizendo que, se não chover, ela não garante nada. Reparem que não é um jornalista esquerdinha, um ecologista hippie ou uma blogueira em pânico quem está dizendo isso. É a presidente da Sabesp.
    E esse foi o boletim de hoje. Podem entrar em pânico que no domingo tem o boletim do fim de semana.

    06/11/14

    - São Paulo irá aumentar a captação da represa Guarapiranga (http://bit.ly/10uOkcF). A parte da notícia que o governo quer que você leia é: “a captação do Guarapiranga [irá] ajudar a população que recebe água do Cantareira”. Já a parte da notícia que eu gostaria que você lesse é: “Com a manobra (…), a represa pode chegar no fim da estação chuvosa com baixa reserva para enfrentar a próxima temporada de seca.”
    - Uma notícia de ontem que deixei passar: São Paulo irá tratar esgoto para consumo humano (http://bit.ly/1u0lXyS). A parte da notícia que o governo quer que você leia é: “Alternativa para reduzir a dependência do Sistema Cantareira, a medida vai resultar na produção de mais 3 mil litros de água por segundo, suficientes para abastecer 900 mil pessoas.” Já a parte da notícia que eu gostaria que você lesse é: “As duas estações deverão ficar prontas no fim do próximo ano.”
    - Uma coisa, porém, é preciso dizer: a única crítica possível a essa iniciativa do governo estadual é que ela não tenha sido realizada ANTES – e que esteja sendo vendida agora como solução emergencial para a crise quando é uma obra de infraestrutura que há muito poderia (deveria) ter sido feita.
    - Com relação à crítica “ai-credo-beber-esgoto-que-nojo”, podemos por favor ler a matéria e ver o que dizem os que entendem do assunto?  “Já adotada em outros países, a água de reúso para consumo é defendida por especialistas em recursos hídricos, uma vez que, após ser jogada no manancial, essa água passa novamente por tratamento antes de chegar à torneira. ‘Isso não é um problema, mas o esgoto precisa ter um nível alto de tratamento para ser jogado na Represa do Guarapiranga’, disse Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial de Água” (http://bit.ly/1u0lXyS).
    - Ou seja: a obra permitirá o lançamento de esgoto *já tratado* no manancial, que então passará por um segundo tratamento. Aliás, vale ressaltar que atualmente, na vida-como-ela-é, esgoto *não tratado* é jogado cotidianamente no manancial (http://bit.ly/1u0lXyS).
    - Outra especialista que apóia a iniciativa é Malu Ribeiro, da Rede Água SOS Mata Atlântica. Malu é autora do ótimo artigo “São Paulo pode parar por falta de água”, publicado em 21 de março deste ano (http://bit.ly/1EmS0MT).
    - De resto, tudo como sempre: enquanto especialistas advertem que a seca deve continuar (http://bit.ly/1wEhGjr) e a crise no abastecimento pode piorar em 2015 (http://bit.ly/1uDnEEJ), Alckmin segue convicto de que o pior já passou (http://bit.ly/1EmTlmS).
    - E numa cidade chamada Bebedouro, uma rádio oferece como prêmio mil litros d’água (http://bit.ly/1E9pnkd).
    Este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.


    05/11/14

    - Alegria de paulista dura pouco: voltou a cair o nível do Cantareira. E mais: o nível da Guarapiranga caiu bruscamente de novo (0,4% num só dia). Também, pudera: a represa agora abastece parte da população que costumava ser atendida pelo Cantareira (http://bit.ly/1qqpamt).
    - Hoje foi um dia movimentado na CPI da água na Câmara dos Vereadores de São Paulo: depuseram o presidente da ANA e um ex-diretor da Sabesp, que defendeu a isenção de impostos para a empresa e afirmou que, de 2007 a 2010, “nenhuma outra empresa teve um crescimento tão forte em investimentos” no Brasil (http://bit.ly/1uy5vYh).
    - Quanto ao depoimento do presidente da ANA, Vicente Andreu, o comunicado de imprensa da ANA acaba sendo mais informativo do que as matérias que saíram nos jornais. É apenas neste comunicado que podemos ler a explicação de Andreu sobre as competências dos órgãos estaduais e federais na gestão dos recursos hídricos: “Compete aos órgãos estaduais a regulação e gestão das águas subterrâneas e das águas superficiais com nascente e foz no estado; e compete ao órgão federal, as águas superficiais com fronteiras com outros países ou que cruzam mais de um estado. O Cantareira é híbrido e os reservatórios têm domínio alternados. Na renovação da outorga do Sistema Cantareira, em 2004, a ANA delegou a competência para o DAEE para unificar a regulação. Por isso, o órgão que tem a gestão completa do Sistema é o DAEE, mas, ao longo desses dez anos, toda a regulação foi feita de forma compartilhada com comunicados e resoluções conjuntas ANA-DAEE” (http://bit.ly/1s6KzRk). 
    - Esta matéria (http://bit.ly/1uy5vYh) deu mais destaque ao pedido de desculpas de Andreu pela frase: “É mais fácil o Palmeiras ser campeão que o plano da Sabesp dar certo” (http://bit.ly/1wof7Si). Não sei vocês, mas quando leio o título “ANA: comparação da Sabesp com o Palmeiras foi infeliz”, fico com a impressão de que Andreu admitiu que seu julgamento foi errôneo e que o plano da Sabesp, no fim das contas, não é de todo mau.
    - Aí a gente lê o que Andreu efetivamente disse e surprise, surprise: ““Foi uma frase infeliz feita em um grupo de amigos. (…) Mas o primeiro estudo da Sabesp não era um estudo que oferecia qualquer consistência técnica. A crítica ao estudo eu mantenho, a frase não. Peço desculpas publicamente por ela” (http://bit.ly/1uy5vYh).
    - Ou seja: a opinião do presidente da ANA sobre o plano da Sabesp NÃO MUDOU. Ele desculpou-se apenas pela – de fato, completamente ridícula – comparação com o Palmeiras, que só serve para desviar o foco do problema (“Hehehehe que piada o Palmeiras, hein? Meu time é bem melhor que o Palmeiras hihihi hohoho”).
    - Além disso, Andreu afirmou que a transposição do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira – uma proposta do governo de SP – é possível e está prestes a ser viabilizada (http://bit.ly/1teiveU). 
    (- Perguntar não ofende: será que Aloysio Nunes, que há duas semanas chamou Andreu de vagabundo (http://bit.ly/1FzXYeS), mantém a mesma opinião agora que o presidente da ANA concordou com uma proposta de Alckmin? Dúvidas, dúvidas.)
    - Li três matérias diferentes sobre a opinião favorável de Andreu à transposição do Paraíba do Sul: (http://bit.ly/1sgLhwd) (http://bit.ly/1teiveU) (http://bit.ly/1zx6oC5). Proponho aqui um exercício: procure os termos “ambiente” ou “ambiental” em cada uma delas.
    - Aparentemente, o tema “impacto ambiental da transposição” sequer chegou a ser seriamente considerado na CPI (ou ao menos não o foi pela imprensa). A discussão parece ter girado em torno dos interesses de cada um dos estados envolvidos – SP, RJ e MG.
    - E no entanto, o MPF entrou com uma ACP para impedir a transposição devido justamente aos prováveis prejuízos ambientais que a obra traria (http://bit.ly/1ohupJi).
    - Em suma, os prejuízos ambientais que a obra pode acarretar parecem uma questão muito menos importante do que esta outra: qual estado vai ficar com mais água, ao fim e ao cabo.
    - Claramente, esta crise até agora não nos ensinou nada. 
    E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    04/11/14

    O boletim de hoje traz mais perguntas do que respostas.
    - Comecemos com uma boa notícia: nesses três primeiros dias de novembro, choveu quase tanto quanto no mês de outubro inteiro. Com isso, pela primeira vez desde 26/09, o nível do Sistema Cantareira não caiu. Em compensação, o Alto Tietê caiu de 8,8% para 8,7% e a Guarapiranga de 38,4% para 37,9% (http://bit.ly/1tFhHot). Dúvida: o que explica essa queda tão brusca – 0,5% em um só dia – na Guarapiranga?
    - Para termos uma ideia do que esses números representam, é bom lembrar que, em 2000, houve racionamento de água na cidade de São Paulo. A Guarapiranga estava em 20,2% de sua capacidade, o Cantareira em 40,4% e o Alto Tietê em 60,9% (http://bit.ly/10rN0HF). A Sabesp decidiu que o racionamento só terminaria quando a Guarapiranga voltasse a 40% de sua capacidade (http://bit.ly/1yVTb2M) – mais, portanto, do que a represa tem atualmente. Eis como a Sabesp justificava a necessidade de racionamento até que a Guarapiranga estivesse novamente com 40% do seu volume operacional: “O percentual é estimado pela Sabesp tendo como base o nível da represa em anos anteriores e uma margem de segurança para a estação seca do ano que vem.” Dúvida: o que aconteceu com essa “margem de segurança para a estação seca” na crise atual?
    - De setembro para outubro, caiu o número de domicílios que conseguiram reduzir em mais de 20% o consumo de água (http://bit.ly/1xZyO3u). Conforme o verão se aproxima, não são só as chuvas que (teoricamente) aumentam (muito teoricamente, aliás: choveu menos em outubro que em julho – http://bit.ly/1unr9yO); o consumo de água também costuma aumentar (http://glo.bo/1AcWIOu). Dúvida: o aumento das chuvas nos próximos meses será suficiente para contrabalançar o aumento no consumo?
    - Como falta água nas torneiras, muitas pessoas no interior de São Paulo têm recorrido a bicas. Uma dessas bicas fica na beira de uma estrada em São Roque, em uma curva. Resultado: ontem, uma mulher morreu prensada por um carro enquanto pegava água da bica. É a oitava morte que ocorre no local este ano (http://bit.ly/1vEREKY). Dúvida: quantas mortes terão ocorrido no mesmo local no ano passado?
    - Em Itu, há casas que não recebem água há mais de um mês (http://bit.ly/1uriKKM). Várias reportagens já foram feitas mostrando a saga diária dos ituanos em busca de água – esta de hoje é apenas a mais recente delas. No entanto, resta uma série de questões que não vi serem respondidas até agora.
    - Antes de começar com as questões, acho importante considerar o argumento de que, como Itu é abastecida por uma empresa privada que venceu uma concorrência pública realizada pela Prefeitura (http://bit.ly/1txgy0L), o governo do estado nada tem a ver com o que acontece por lá.
    - Ora, ocorre que as outorgas de uso dos recursos hídricos do estado são concedidas pelo DAEE, órgão estadual; a outorga é um “instrumento da Política Estadual de Recursos Hídricos” (http://bit.ly/1zv08uE). Em suma, Itu não é uma ilha nem fica em outro planeta (aliás, fica a meros 102 km da capital): não adianta fingir que os problemas da cidade não têm relação com o restante do estado só porque ela não é atendida pela empresa de abastecimento estatal.
    - Um pouco sobre a história da gestão dos recursos hídricos de Itu, cidade com uma longa tradição de falta d’água (http://bit.ly/1usVWto):
    - Não é de ontem (http://bit.ly/1vFtq34) que a população de Itu atribui a falta d’água à falta de chuvas, pedindo ajuda aos santos de sua devoção para que chova. No entanto, o estudo de um geógrafo ituano constatou que Itu não é mais árida que cidades vizinhas, e que o real problema da cidade é a falta de investimentos. “Rodrigues analisa que existiram obras de saneamento, mas foram muito distanciadas umas das outras, de modo que a demanda sempre cresceu mais rápido do que a oferta de água. Exemplo disso era a existência, à época da pesquisa (2006), de redes e filtros de água obsoletos e mais de 5 mil hidrômetros avariados. Esses e outros detalhes ocasionavam perdas de 55% da água tratada, sendo 43% relativos a perdas físicas” (http://bit.ly/1usVWto).
    - Em 2007, a concessionária Águas de Itu assume os serviços de abastecimento da cidade. Em 2010, o prefeito “aposta todas as fichas na Águas de Itu e dá o problema de falta de água como um assunto do passado” (http://bit.ly/1usVWto).
    - Em seu site, a empresa afirma que “Durante o período de concessão, que será de 30 anos, a Águas de Itu vai investir na recuperação, melhoria e ampliação dos sistemas de água e de esgoto no município” (http://bit.ly/1txgy0L).
    Diante desse histórico, fico com algumas questões:
    - Por que a Águas de Itu ganhou a concorrência pública – isto é, quais outras empresas concorreram e por que a Águas de Itu mostrou-se a mais preparada para assumir os serviços de saneamento da cidade? Que medidas a empresa se comprometeu a tomar e que obras se comprometeu a fazer para garantir o abastecimento na cidade quando venceu a concorrência? Quais dessas medidas e obras foram realizadas até agora? O que o DAEE, que é responsável não só pela concessão como também pela fiscalização da outorga, tem a dizer sobre a atuação da empresa?
    - E mais: em que o decretamento de estado de calamidade pela prefeitura de Itu – recomendado pelo MP (http://bit.ly/1ut20Ch) – poderia beneficiar a cidade? Por fim – até quando a imprensa retratará o governo estadual como um agente externo disposto a “ajudar” a cidade (http://glo.bo/1tYw47d) em vez de caracterizá-lo como uma das autoridades diretamente implicadas na (e responsáveis pela) crise?
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    03/11/2014

    - ERRATA: no último boletim, escrevi que a Sabesp trabalha com a previsão de chuvas dentro da média histórica (http://bit.ly/1tAtlRD). Isto é verdade, mas não é toda a verdade: este é apenas *um* dos cenários – o mais otimista de todos – com os quais a empresa trabalha. O mais pessimista deles é o que prevê chuvas em níveis semelhantes à da seca de 1953. O problema é que mesmo o pior cenário possível ainda é bastante otimista: segundo o professor de hidrologia José Roberto Kachel, “as vazões de outubro são 3,8 vezes menores do que as usadas no pior cenário do estudo apresentado pela Sabesp” (http://bit.ly/1unr9yO).
    - Há cenários otimistas, há cenários pessimistas, e há o cenário completamente (su)real de agora: SP já começa a ter falta d’água e enchente ao mesmo tempo (http://abr.ai/1zsHPq1) (http://abr.ai/1Ghd8Gd).
    - Este artigo que citei ontem (http://bit.ly/1wXGAeQ) afirma, sem citar fontes: “Com o atual ritmo de consumo e chuvas, a segunda cota do volume morto terminaria no dia 13 de janeiro”. Já este outro (http://bit.ly/1unr9yO), citando o professor Kachel,  afirma que o segundo volume morto acabaria no começo de março, mantido o cenário atual.
    (Há bem pouco tempo atrás, lembro que ecologistas faziam a pergunta “que mundo queremos deixar para os nossos filhos?”. Eu não imaginava que, em novembro de 2014, eu estaria me perguntando “que mundo iremos deixar para nós mesmos em janeiro ou março de 2015?”)
    - Mas vamos falar de coisa boa: não falta água em nenhuma escola de São Paulo! Pelo menos é o que diz o governador Geraldo Alckmin (http://bit.ly/10fFu24).
    - Não falta água em nenhuma escola de São Paulo, mas falta água nestas trinta e quatro escolas da cidade de São Paulo: (http://bit.ly/1suoPlI).
    - Não falta água em nenhuma escola de São Paulo, mas falta água nas escolas de Cristais Paulista, que fecharam devido à falta d’água e deixaram mais de dois mil alunos sem aula: (http://bit.ly/10fFHlX).
    - Eu poderia citar outras matérias, mas gostaria de deixar o boletim de hoje um pouco mais curto para considerarmos com atenção o cenário atual: 
    - De um lado, temos um cientista afirmando que a segunda cota do volume morto do Sistema Cantareira pode acabar já em março de 2015, e temos escolas fechando por falta d’água. 
    - De outro, temos uma empresa estatal de abastecimento que “acredita que a volta das chuvas (…) podem elevar o nível do Cantareira”, um governador que diz que “não temos falta de água em nenhuma escola” e uma imprensa que não tem capacidade de (ou interesse em) confrontar o governador com a realidade dos fatos.
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    01 e 02/11/14

    - Este é o outubro mais seco em 12 anos para os sistemas Cantareira e Alto Tietê. No Cantareira, choveu 42,5mm – a média histórica para o período é de 130,8mm. No Alto Tietê, choveu 20,1mm – a média histórica é de 117,1mm (http://bit.ly/1wXGAeQ).
    - Vale lembrar que a Sabesp trabalha com a previsão de chuvas dentro da média histórica nos próximos meses – com isso, o Sistema Cantareira chegaria a abril com 37% de sua capacidade. Já a ANA, que trabalha com previsão de 70% da média histórica, afirma que em abril o Cantareira estaria em -5% – isto é, não teria recuperado sequer a totalidade do volume morto (http://bit.ly/1rsaIcS).
    - Retomando o que aconteceu em outubro: fazendo uma regra de três simples, descobrimos que, no Cantareira, choveu 32,49% da média histórica; no Alto Tietê, 17,16%.
    - Que ninguém tente me convencer, então, de que a Sabesp não está sendo absolutamente incompetente e irresponsável em prosseguir com esta previsão de “chuvas dentro da média histórica” para os próximos meses quando os números de outubro são 32,49% da média para o Cantareira e 17,16% para o Alto Tietê. 
    - A persistirem os níveis atuais de chuva e de consumo de água, a segunda cota do volume morto acaba em janeiro (http://bit.ly/1wXGAeQ).
    - Mas não é só isso: a captação da segunda cota não está indo tão bem assim. A Sabesp “está com dificuldades de retirar água do volume morto da Jaguari-Jacareí porque o trecho próximo das bombas de captação virou um córrego raso. Na última sexta-feira, apenas três das 12 bombas estavam em operação. (…) Técnicos da área acreditam que, se todas funcionassem juntas, acabariam puxando o lodo do fundo da represa e seriam danificadas” (http://bit.ly/13weDRE).
    - Existe vida após a segunda cota do volume morto? O que vem depois da segunda cota – a terceira? Para presidente da ANA, depois da segunda cota só há lodo (http://glo.bo/1w6eDUf).
    - Para Alckmin, não vamos precisar da terceira cota – e não apenas isso como também não há nenhuma expectativa de racionamento (http://bit.ly/1vAPpbm).
    - No estado onde não há nenhuma expectativa de racionamento, Itu, que está em racionamento desde fevereiro, sobrevive de caminhões-pipa e de ajuda humanitária (http://glo.bo/1GboYS5).
    - No estado onde não há nenhuma expectativa racionamento, cidades estão decretando racionamento, cobrando multas por desperdício, fechando escolas (http://bit.ly/10fzuXy).
    - ERRATA: o governo de São Paulo não pediu ajuda à Fundação Cacique Cobra Coral, no fim das contas (http://bit.ly/1o65Mzn). Com isso, o título de “Político Paulista a Firmar Parceria com Organização Sobrenatural” continua pertencendo exclusivamente ao ex-prefeito José Serra, como se vê na edição de 18/08/05 do Diário Oficial da Cidade (http://bit.ly/1rOcHs0).
    - Apenas a título de comparação: um ano antes do convênio Prefeitura de SP-FCCC, em 2004, a Constituição uruguaia reconhecia a água como um direito humano básico e proibia a privatização dos recursos hídricos e dos serviços de água do país (http://bit.ly/1vAQ5xs). 
    E este foi o boletim do fim de semana. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    31/10/14

    - Não poderia deixar de começar o boletim de hoje com a notícia mais comentada e compartilhada do dia: o Robin Hood da água de São Paulo (http://glo.bo/10Eh5Va). Para quem não viu, o motorista de uma empresa de caminhão-pipa distribuiu 16 mil litros de água para 800 pessoas de um bairro que estava há 4 dias sem abastecimento, em vez de levar a água para os clientes da empresa. Sua ação vem sendo – compreensivelmente – vista como exemplo de caridade e amor ao próximo. Torço, porém, para que tal leitura não apague nem diminua o valor político do que fez o motorista Fábio Roberto. Disse ele: “Já tem mais gente vendo que o que a Sabesp fala é uma coisa, que o que o governador não fala é uma coisa, e a realidade que as pessoas estão passando em São Paulo com a história da falta d’água é uma coisa muito diferente”.
    - No mesmo dia em que fomos apresentados ao Robin Hood da água em São Paulo, um assessor técnico do governo estadual afirma que, por ora, as soluções aplicadas pelo governo na contenção da crise são suficientes. (http://bit.ly/1sTk020) Pelo visto, as soluções não foram tão suficientes assim para as 800 pessoas que pegaram água do caminhão do Fábio Roberto.
    - Além dos vivos (http://bit.ly/1yMXL32), a falta d’água agora atinge também os mortos: a multa para quem lava túmulos chega a R$1600 para os habitantes de Iracemápolis (http://bit.ly/1E8BFuW). Sinceramente, eu acho é pouco – lavar túmulo, gente, que ideia. Gastar água com isso é um excelente método para acelerar nossa passagem ao time dos debaixo do túmulo.
    - Anteontem, apostei um litro de água mineral que a Justiça autorizaria a redução da captação do Alto Tietê, mas que essa decisão seria derrubada poucos dias depois (http://bit.ly/1qbtber). Perdi um litro d’água nessa: desta vez, a Justiça sequer levou em conta o pedido do MP, negando a liminar logo de cara (http://bit.ly/1u3DfMS).
    - Mas se errei nesta previsão, infelizmente acertei outra coisa. Vejam o que escrevi ontem (http://bit.ly/10GutIg) sobre o argumento que costuma ser usado para desmerecer ações judiciais como essa – e, na sequência, o contra-argumento dado pelos próprios promotores:
    - “‘Com que então um bando de promotores se acha no direito de gerir os recursos hídricos de SP? A gestão desses recursos é uma questão técnica e a Sabesp e o DAEE sabem (ou pelo menos deveriam saber) o que estão fazendo’. A resposta são os próprios promotores que dão: não é a intenção deles assumir o comando da Sabesp ou dos recursos hídricos do estado, e sim fazer com que os réus, DAEE e Sabesp, ‘cumpram as premissas técnicas’. Portanto, quanto ouvir dizer que ações como esta representam a ‘judicialização’ ou a ‘politização’ duma questão técnica, já sabe: é precisamente o contrário. A Justiça está intervindo exatamente para que o poder público exerça suas atribuições com base em preceitos técnicos.”
    - Agora veja o argumento que o juiz usou para negar o pedido do MP: “as pretensões do Ministério Público, a princípio, implicam interferência do poder Judiciário em atos de gestão da administração pública, em tema flagrantemente sensível, não sendo recomendável que, em sede de antecipação de tutela, a vontade do promotor de Justiça ou do juiz venha substituir a vontade do administrador (…). O Ministério Público pretende, praticamente, assumir o controle da gestão da crise hídrica” (http://bit.ly/1u3DfMS).
    - Por fim, não posso deixar de recomendar a leitura desta entrevista com Antonio Nobre sobre a relação entre o desmatamento na Amazônia e a seca em São Paulo (http://bit.ly/1xJgQST). Cito um parágrafo em especial:
    “Valor: O que achou de Dilma não ter assinado o compromisso de desmatamento zero em 2030, na reunião da ONU, em Nova York?
    Nobre: Um absurdo sem paralelo. A realidade é que estamos indo para o caos. Já temos carros-pipa na zona metropolitana de São Paulo. Estamos perdendo bilhões de dólares em valores que foram destruídos. Quem é o responsável por isso? Um dia, quando a sociedade se der conta, a Justiça vai receber acusações. Imagine se as grandes áreas urbanas, que ficarem em penúria hídrica, responsabilizarem os grandes lordes do agronegócio pelo desmatamento da Amazônia.”
    - Por muito tempo, o governo estadual culpou a louca e imprevisível Mãe Natureza pela seca em SP (porque, vocês sabem, as mulheres são assim mesmo, temperamentais e irracionais) (http://abr.ai/1wPtjpE). Depois, com a eleição, passou a culpar o governo federal – que, segundo Aécio, aparelhou a ANA (http://bit.ly/1D9DRQs); e, segundo Ackmin, cobra altos impostos da Sabesp (http://bit.ly/13o8WFA).
    - Daí concluo o seguinte: ironicamente, o governo estadual mirou o alvo certo – mas com argumentos completamente equivocados. O governo federal tem responsabilidade pela seca, sim – mas não porque aparelhou agências ou cobrou impostos, e sim (como mostra Antonio Nobre) porque deu guarida ao agronegócio irresponsável e foi conivente com o desmatamento da Amazônia.
    - Quando o governo estadual (ou qualquer organização ou partido) criticar o governo federal pelos motivos expostos acima – e, tão importante quanto, defender o fim do desmatamento e o início do reflorestamento da Amazônia –, terá meu aplauso e meu apoio.
    - Até agora, porém, o governo estadual vem se servindo de críticas rasas ao governo federal como forma de se esquivar de suas próprias responsabilidades na gestão dos recursos hídricos de São Paulo.
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que no domingo tem o boletim do fim de semana.

    30/10/14

    - Ontem, enquanto todo mundo ria (de desespero) com a notícia “governo de SP consulta Cacique Cobra Coral” (http://glo.bo/1nRRgv1), esta outra, muito mais importante, passou despercebida: o Sistema Alto Tietê, segundo maior manancial de SP, está secando (http://bit.ly/1tQ0YA6). É o que venho repetindo aqui há um tempo: depois de drenar o Sistema Cantareira até a última gota, a Sabesp (com a anuência do DAEE) está fazendo o mesmo com o Sistema Produtor Alto Tietê (SPAT).
    - Para entender isso melhor, li a ação que o MPE/SP propôs contra a Sabesp e o DAEE, pedindo a redução da captação do SPAT (http://bit.ly/1wKDGcz).
    - Antes de passar à ação, porém, quero responder ao argumento do advogado do diabo. O advogado do diabo diz assim: “Com que então um bando de promotores se acha no direito de gerir os recursos hídricos de SP? A gestão desses recursos é uma questão técnica e a Sabesp e o DAEE sabem (ou pelo menos deveriam saber) o que estão fazendo”.
    - A resposta são os próprios promotores que dão: não é a intenção deles assumir o comando da Sabesp ou dos recursos hídricos do estado, e sim fazer com que os réus, DAEE e Sabesp, “cumpram as premissas técnicas”. Portanto, quanto ouvir dizer que ações como esta representam a “judicialização” ou a “politização” duma questão técnica, já sabe: é precisamente o contrário. A Justiça está intervindo exatamente para que o poder público exerça suas atribuições com base em preceitos técnicos.
    - Qualquer hora vou propor uma comparação entre a ACP referente ao Alto Tietê e a ACP referente ao Cantareira. Hoje, porém, farei apenas um resumo resumidíssimo da ACP do SAPT (http://bit.ly/1wKDGcz):
    - A outorga concedida pelo DAEE à Sabesp para explorar o SPAT estipulava vazões máximas de cada um dos rios e afluentes do sistema, totalizando 26.800.000 m3. 
    - É função do DAEE fiscalizar o cumprimento desse volume de captação e aplicar penalidades à Sabesp caso isso não seja cumprido.
    - A própria Sabesp reconheceu que vem extrapolando esse limite desde novembro de 2013 – chegando, em janeiro de 2014, a mais de 39.000.000 m3.
    - O próprio DAEE, por sua vez, reconheceu que não fiscalizou a Sabesp nem aplicou qualquer penalidade.
    - Em fevereiro de 2014, foi renovada a outorga e o DAEE passou a permitir a retirada máxima de 40.200.000 m3 – aumento este, repare bem, autorizado em plena estiagem.
    - Como justificar esse aumento do limite máximo de captação? O DAEE afirma que a Sabesp apresentou estudos técnicos que garantiam a segurança desse volume – e o DAEE aceitou esses estudos sem qualquer contestação ou questionamento.
    - O MPE/SP, então, requisitou esse parecer técnico da Sabesp.
    - O parecer técnico considera que o aproveitamento pleno do volume da represa Taiaçupeba (uma das que constituem o SPAT) é de 78,5 hm3.
    - Ocorre que este volume máximo operacional jamais foi atingido, e só será atingido quando as obras para a ampliação da Represa de Taiaçupeba forem concluídas – “devendo-se considerar que estas obras ainda não foram concluídas por evidente desídia da Sabesp e do DAEE”. 
    - Há mais de dez anos estão previstas obras para amplaição da ETA Taiaçupeba. O DAEE e a Sabesp não as executaram.
    - O volume operacional da represa atualmente está na casa de 21,5 hm3. 
    - “Desta forma, o que se verifica é que a renovação da outorga do SPAT, com o aumento da captação de água na ETA Taiaçupeba para 15m3/s está fundada em dado ideologicamente falso, falsidade esta de perfeito conhecimento de ambos os requeridos, tendo em vista que são eles os responsáveis pelo licenciamento e execução das obras de ampliação da ETA Taiaçupeba.”
    - “Pode-se esperar que o SPAT esteja completamente vazio em meados de novembro próximo. A não ocorrência desta catástrofe depende de dois eventos futuros: 1. A ocorrência de chuvas com intensidade suficiente; (…) 2. A redução da vazão de retirada.”
    - “A significativa redução das precipitações no Estado de São Paulo era um fenômeno perfeitamente detectado DESDE 2000, sem que as medidas para a redução das vazões de retirada tenham sido implantadas pelo órgão gestor (DAEE) e pela operadora do sistema produtor (SABESP), visando à preservação daquele manancial. Aliás, agiram contrariamente a este fator de cautela, aumentando consideravelmente o volume máximo de retirada do Sistema Produtor Alto Tietê, contribuindo, de forma incontroversa, para o seu esvaziamento e talvez deplecionamento.”
    ***
    Notícias de hoje sobre a falta d’água:
    - Em Itu, alguns oram por chuva (glo.bo/1sMOeDI); outros roubam água (http://glo.bo/1zNtXrn). 
    - Na cidade de São Paulo, nas últimas semanas, centros de educação infantil (CEI) dispensaram alunos, compraram galões, contrataram caminhões-pipa. Catorze creches relataram problemas. Algumas têm pedido que as crianças já cheguem de banho tomado (http://bit.ly/ZVKU2f - ver nota de 30/10/14, 08:48).
    - Ontem vimos que uma das medidas da parceria entre governo estadual e federal seria a redução de impostos para a Sabesp (http://bit.ly/101O98P). Minha interpretação disso foi: a medida, em si, não é boa nem ruim; só poderemos julgar depois que soubermos no que os recursos economizados pelas empresas serão aplicados. Pois bem, hoje Alckmin explicou: “Neste caso, cabe a cada empresa de saneamento decidir se ela quer reduzir a conta da água ou se quer investir mais” (http://bit.ly/13o8WFA). Pelo que entendi, então, as opções são as seguintes: a empresa pode decidir se a) investe o dinheiro em obras que não dão retorno imediato; b) cobra menos pela água, o que pode incentivar o consumo (“já que tá barato, bora gastar”) e, assim, o aumento dos lucros. Em suma: não tem como não dar errado.
    - Por fim, segue mais um capítulo da saga #SecaSexy – http://glo.bo/1wKFSRh
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    29/10/14

    - O volume do Sistema Alto Tietê, segundo maior manancial que abastece a Grande São Paulo, caiu 0,2% de ontem para hoje e chegou a 7% de sua capacidade (http://bit.ly/1tQ0YA6).
    - O MPE/SP entrou com uma ação para que a Sabesp reduza a captação do Alto Tietê (http://bit.ly/1E3WlUQ). 
    - A história do Alto Tietê soa tristemente familiar: o mesmo se passou com o Cantareira. O ISA aponta que a Sabesp manteve inalterada a captação de água do sistema mesmo durante a seca (http://bit.ly/1teNyfG). Como sabemos, isso levou à situação atual de retirada do volume morto. O MPE/SP e o MPF, então, entraram com uma ação para impedir a captação desenfreada do volume morto (http://bit.ly/1xjHLEZ). O juiz deferiu liminarmente o pedido dos procuradores, impedindo a captação da segunda cota (http://bit.ly/1tj4d1E). No entanto, a liminar foi derrubada apenas cinco dias depois (http://glo.bo/1nrCyKK).
    - Aposto um litro de água mineral com quem quiser que o pedido do MPE/SP referente ao Alto Tietê será deferido pela Justiça – e aposto outro litro que essa decisão será suspensa depois de poucos dias.
    - Mas vamos falar de soluções. Passada a eleição, Alckmin decidiu que quer estabelecer uma parceria com o governo federal. Entre as medidas defendidas pelo governador, estão a interligação do Rio Jaguari, da bacia do Paraíba do Sul, com a represa Atibainha, do Sistema Cantareira, e a redução de impostos para a Sabesp (http://bit.ly/101O98P). Salvo engano, obras de interligação entre os sistemas parecem de fato uma excelente ideia. A redução de impostos, porém, só faz sentido se soubermos em que serão investidos os recursos economizados (http://bit.ly/101O98P).
    - É possível, contudo, que nada do que escrevi no parágrafo acima saia do papel: o Ministério do Meio Ambiente diz que não recebeu até agora nenhuma proposta formal do governo de São Paulo (http://bit.ly/1yICVlD).
    - Agora, propostas boas de verdade você encontrará aqui: www.aguasp.com.br - uma coalizão de ONGs, em evento realizado hoje na cidade de São Paulo, lançou um site que contém uma série de propostas de curto e longo prazo para enfrentar a crise da água. Foi muito bom encontrar na lista propostas sobre as quais eu já vinha escrevendo neste boletim (por exemplo, multa para usos abusivos, ações para grandes consumidores – indústria e agircultura –, redução das perdas), e foi melhor ainda encontrar ali propostas ambientais sobre as quais nunca escrevi (por exemplo, proteção de mananciais e recuperação florestal).
    - Enquanto as ONGs pensam em propostas, Alckmin, como vimos, ainda não formalizou um pedido de parceria para o governo federal. Em compensação, seus assessores contactaram a Fundação Cacique Cobra Coral, comandada por uma médium que diz “incorporar o espírito do cacique Cobra Coral, entidade que seria capaz de influenciar o clima” (http://glo.bo/1nRRgv1). Afinal, um governo tem que estabelecer priodades.
    - Por isso só posso apoiar os vereadores que estão levando adiante a CPI da Sabesp (http://bit.ly/13guNPc) – aquela que o vereador Andrea Matarazzo disse não ter “a menor consequência” (http://bit.ly/Zu66Ms) –, já que na Alesp nada acontece feijoOPS, pra cozinhar feijão precisa de água. 
    E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

    28/10/14

    O boletim de hoje está organizado em três seções: passado, presente e futuro. A gravidade da crise exige que olhemos para tudo ao mesmo tempo: o passado, para tentarmos aprender com os erros e evitar sua repetição; o presente, para tentarmos entender o que está acontecendo agora; e o futuro, para tentarmos voltar a ter água um dia. Toscamente falando, é isso. Vamos lá:
    Passado:
    - ONGs como a ISA e o Idec afirmam que o governo estadual e a Sabesp erraram na administração do Sistema Cantareira, mantendo inalterada a captação de água durante a seca que se abateu sobre a região na estação chuvosa, de outubro a fevereiro (http://bit.ly/1teNyfG). Além disso, as ONGs acusam o poder público de se omitir e esconder informações.
    - O que seria essa omissão de informações? É preciso contar a história desde o princípio: com base na Lei de Acesso à Informação, o Idec solicitou à Sabesp em setembro a divulgação do mapa de diminuição de pressão noturna na distribuição de água. A empresa simplesmente não enviou o material requisitado. O Idec, então, acionou o MP e o Procon em 20/10 para que a Lei de Acesso à Informação fosse cumprida: o acesso ao mapa poderia mostrar aos consumidores os locais onde a diminuição de pressão poderia ocasionar problemas no abastecimento (http://bit.ly/1wkzdgs).
    - Esta não foi a primeira intervenção do Idec na crise hídrica. O Instituto informa que, em 21/04, o governo do estado planejava multar os consumidores que aumentassem o consumo de água. Acontece que o Código de Defesa do Consumidor estipula que o fornecedor de produtos e serviços só pode elevar o preço com justa causa – e a medida governamental não dizia que “justa causa” era essa, já que o governo recusava-se a decretar racionamento. Quando o Idec anunciou que a medida era ilegal, o governo estadual desistiu da proposta. Preferiu não ter de decretar racionamento no estado (http://bit.ly/1wkzdgs).
    Presente:
    - Mas a ação movida pelo Idec com base na Lei de Acesso à Informação deu resultado: a Sabesp foi obrigada judicialmente a divulgar o mapa da redução de pressão (http://bit.ly/ZWgsoZ). Para o Idec, esta é a primeira vez em que a empresa reconhece publicamente que algumas regiões da cidade de São Paulo têm enfrentado problemas no abastecimento.
    - Discordo desta afirmação do Idec. Afinal, a Sabesp divulgou o mapa porque foi obrigada judicialmente – e afirma que ele não serve como indicativo de onde pode vir a faltar água (http://bit.ly/ZwgsoZ). Oficialmente, eu diria que o posicionamento da Sabesp não mudou: segundo a empresa, há problemas de abastecimento sim, mas eles são “pontuais” e não sistemáticos (http://bit.ly/136AQ8W).
    - Com relação à situação atual do Sistema Cantareira, um especialista em recursos hídricos afirmou que a transferência entre os reservatórios do Sistema (coisa que vem sendo feita atualmente) torna mais difícil o tratamento da água e exige que mais produtos químicos sejam usados (http://glo.bo/1wLexBY).
    - Em Itu, as pessoas fazem fila à noite para pegar água da bica (http://glo.bo/1xCmTZn). Coloquei esta notícia na seção “presente” por motivos óbvios: é isso que está acontecendo em Itu agora. Mas isso pode ser também o futuro da cidade de São Paulo: se em Itu, que tem aproximadamente 160 mil habitantes, os caminhões-pipa não estão dando conta de abastecer a cidade, o que será da Grande São Paulo e suas 8 milhões e 800 mil pessoas? Talvez a “piada” do diretor da Sabesp – as “férias coletivas” para a grande São Paulo caso não chova (http://bit.ly/1wl1O8O) – seja mais séria do que gostaríamos.
    - Enquanto isso, a Sabesp continua investindo em campanhas de combate ao desperdício voltadas ao consumidor residencial (http://on.fb.me/1tCjhr0). Naturalmente, é preciso que todos economizem, mas eu gostaria de saber que medidas a Sabesp está tomando em relação aos grandes consumidores. Não encontrei dados referentes especificamente a São Paulo, mas descobri que, segundo a ANA, a agricultura é responsável por 70% do consumo de água no país e a indústria por 7% (http://bit.ly/1sC2ejK) - e, como lembra Rasputin Thuin(http://bit.ly/1Dt6it1), até março deste ano a Sabesp dava descontos para grandes consumidores (http://bit.ly/1ryxEHv).
    - Em suma: sim, vamos convencer o Seu José a lavar a calçada com balde em vez de esguicho. Mas podemos pensar também no que iremos cobrar das indústrias e do agronegócio? Não é só que é hipócrita cobrar economia do consumidor residencial enquanto até março se incentivava o desperdício por parte dos grandes consumidores. É também terrivelmente ineficaz – inclusive para os grandes consumidores, que, como vimos (http://bit.ly/1tXGK8f), também já enfrentam a falta d’água.
    Futuro:
    - Amanhã às 9h, será transmitido pela internet um evento da Aliança pela Água – uma coalizão de ONGs que propõe medidas de curto, médio e longo prazo para enfrentar a crise (http://bit.ly/1tCjomh).
    - É bom mesmo pensarmos em medidas para todos os prazos, pois a seca em São Paulo deve continuar em 2015. Devido às mudanças climáticas, tem sido difícil compreender o comportamento do El Niño; mas, se o fenômeno ocorrer no fim deste ano – há 70% de chances de que isso ocorra –, e se tiver o mesmo efeito que teve em 1997 e 1998, haverá “uma imensa seca no mundo”, nas palavras de um pesquisador da Organização Mundial de Metereologia (http://bit.ly/1wEhGjr).
    E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico, que amanhã tem mais.

      27/10/14

      - Era uma vez um prefeito que recebeu a notícia de que a cidade que ele governava teria de ser evacuada por falta d’água. Estupefato, o prefeito indagou: cumequié? Então lhe disseram que não era nada daquilo, que estava tudo bem agora.
      - O prefeito era Haddad e a cidade era São Paulo (http://bit.ly/1DTdpwL).
      - Mas a notícia da evacuação de São Paulo nem nova é: há 3 dias, foi divulgado um áudio em que um diretor da Sabesp admite, meio de brincadeira, meio a sério (cabe ao leitor/ouvinte decidir qual é a parte do riso e qual a do choro), que se não chover nos últimos meses de 2014, a Sabesp dará férias coletivas para os habitantes de São Paulo (http://bit.ly/1wl1O8O).
      - A única novidade na notícia de hoje, então, é que a “brincadeira séria” do diretor da Sabesp saiu da sala de reuniões da empresa e chegou ao gabinete de Haddad.
      Seguem outras notícias de hoje, ainda na linha editorial “implodindo os limites entre comédia e tragédia”:
      - Enquanto uns choram, outros vendem lenço: uma empresa que fabrica caixa d’água registrou um aumento de 50% na demanda (quando exatamente? a matéria não diz), e fábricas em outros estados agora trabalham para atender aos pedidos de São Paulo ‪#‎SPLocomotivaDoBrasilFaçaChuvaOuFaçaSeca‬ (http://bit.ly/1tdNZqC);
      - A página do Facebook da Prefeitura de São José dos Campos aproveitou que estava chovendo para pedir aos amigos internautas que guardassem uma aguinha de recordação. A postagem foi apagada após ter sido considerada “tendenciosa” e ter “exaltado os ânimos” dos amigos internautas. O prefeito da cidade é do PT (http://bit.ly/1yFYK52);
      - Enquanto isso, parte da nossa imprensa continua abismada que a chuva não vem colaborando: “Nem mesmo a chuva de média intensidade ocorrida ontem (26) foi suficiente para conter a queda gradual que se observa do nível de água dos reservatórios da Sabesp” (http://bit.ly/ZVKU2f – ver postagem de 27/10, 10:57);
      - É compreensível: que ponha a mão no fogo quem nunca achou que iria aprender inglês em duas semanas, EMAGRECER em cinco dias e amarrar o grande amor em três. Perto desses ambiciosos projetos, salvar o Sistema Cantareira com a chuvinha do fim de semana até que soa modesto.
      E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

        26/10/14

        - Cummins, Rhodia, Hyundai e Mercedes-Benz são algumas das empresas que vêm enfrentando problemas de abastecimento em São Paulo (http://bit.ly/1tXGK8f). A matéria não fala em demissões, mas infelizmente, ao que tudo indica, a falta d’água em breve ocasionará o aumento do desemprego no estado;
        - Condomínios estão vetando o uso de piscinas e implementando racionamento interno (http://bit.ly/1wBbOY5);
        - Agora compare a gestão da crise feita pelos síndicos de condomínios com a declaração mais recente do governador: segundo Alckmin, não haverá racionamento em São Paulo (http://bit.ly/1tbF3C7).
        Atenção, agora, a como a imprensa vem tratando o problema:
        - “Insuficiente, chuva do fim de semana não ajuda a recuperar Cantareira” (http://bit.ly/1rv4ZTC). Parece que a Folha realmente acredita que uma ou duas chuvas de fim de semana serão suficientes para recuperar o Sistema Cantareira.
        - “Aquífero Guarani pode aliviar crise do Cantareira” (http://bit.ly/1nIcHyr). Promissor, não? Então você lê a matéria e descobre que: a) a obra para a captação de água do Aquífero só seria concluída daqui a um ano; b) uma vez concluída, seria suficiente para abastecer apenas 300 mil pessoas em Piracicaba (região atualmente atendida pelo Cantareira); c) estudos para obras semelhantes (mas em escala muito maior) foram feitos pela Sabesp em 2004; d) a Sabesp “descartou” tais obras à época, quando obteve a renovação da outorga do Sistema. Um título mais realista para a matéria d’O Estado, portanto, seria: “Sabesp cogita fazer agora versão reduzida de obras que descartou fazer dez anos atrás”.
        E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.


        25/10/14

        - Como vimos no boletim de ontem, o candidato Laércio voltou a bater na tecla do aparelhamento da ANA pelo PT (http://bit.ly/1D9DRQs). Fiz uma breve pesquisa, então, sobre a nomeação do diretor-presidente da ANA e sobre a atuação da agência na atual críse hídrica em SP. Segue o que descobri:
        - Vicente Andreu foi aprovado como diretor-presidente da ANA pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado em 2009, por 14 votos a zero (http://bit.ly/1xpvsX8).
        - Em 2013, o senador Aloysio Nunes (atual candidato à vice-presidência pelo PSDB) apresentou ao presidente da CMA a proposta de recondução (isto é, “reeleição”) de Vicente Andreu à presidência da ANA. Disse Aloysio Nunes (ao fim do item 17 da pauta): “O curriculum vitae do indicado demonstra formação acadêmica e experiência profissional absolutamente compatíveis com o cargo para o qual está sendo reconduzido.” O senador leu, então, um currículo resumido de Vicente Andreu, que inclui a presidência da Sanasa e o posto de Secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. Cito novamente Aloysio Nunes: “Seu currículo [de Vicente Andreu], portanto, comprova uma longa experiência profissional aliada a uma formação técnica e acadêmica adequada para o cargo. Quero acrescentar, Sr. Presidente, a minha admiração pelo trabalho que ele desenvolve à frente dessa agência.” (http://bit.ly/10th0DI
        - Passemos agora à gestão da atual crise hídrica. É preciso lembrar, em primeiro lugar, que a outorga do Sistema Cantareira para a Sabesp venceria em agosto de 2014. Devido à crise, porém, a ANA e a DAEE decidiram conjuntamente prorrogar até outubro de 2015 a outorga sobre o direito de uso das águas do Sistema Cantareira à SABESP. Esse processo está bem explicado na página 3 desta decisão judicial: (http://bit.ly/1yXHPyT).
        - Vicente Andreu mostrava-se “otimista” com relação ao processo de renovação da outorga em 27/10/2013 – assinalando, porém, que entre os desafios a serem enfrentados pela nova concessionária estaria a necessidade de investir em novas infraestruturas, como barragens e sistemas adutores (http://bit.ly/1ruimUa).
        - Vale notar ainda que, nesta palestra sobre Política Nacional de Recursos Hídricos, em 13/11/2013, Vicente Andreu menciona a “experiência positiva” da Sabesp com o tratamento da água (http://bit.ly/1tUxLVf).
        - Em 2014, porém, há uma mudança na relação ANA-Sabesp. A ANA deixa o comitê anticrise do Sistema Cantareira sob alegação de que o governo estadual não diminuiu a retirada de água do Sistema Cantareira, conforme previamente acordado. Basicamente, a ANA defendia uma redução na captação, enquanto a Sabesp queria a manutenção da vazão para não decretar racionamento oficial (http://bit.ly/1mmD10u).
        Passemos aos falta d’água facts de hoje:
        - O nível do Sistema Cantareira caiu 0,2% de ontem para hoje – agora está em 13,4%, já contando com a segunda cota do volume morto (http://bit.ly/1tz3xoI).
        - Devido à falta d’água, a Rhodia desativou 4 de 22 unidades de produção em sua planta de Paulínia, e a Fibria atualmente trabalha em um plano de contingência (http://glo.bo/1D8vfK3).
        - Indústrias de bebidas, papel e celulose já estão investindo em outros estados como forma de se precaver contra a crise hídrica (http://bit.ly/1rtOOGi).
        - Por fim, uma modelo que passou mal após ingerir água contaminada posou para um ensaio sexy em um reservatório do Sistema Cantareira (http://glo.bo/1tpkXVV). Leia as declarações de Camila Vernaglia. São absolutamente lúcidas e pertinentes.
        E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

        24/10/14

        - Disse a presidente da Sabesp, em reunião cujo áudio foi divulgado hoje: “A Sabesp tem estado muito pouco na mídia, acho que é um erro. Nós tínhamos que estar mais na mídia, sabe, com os superintendes locais, nas rádios comunitárias, o Paulo [Massato] falando, eu falando, o Marcel falando, todos falando, com um tema repetido, um monopólio: economia de água. ‘Cidadão, economize água’. Isso que tinha que estar reiteradamente na mídia. Mas a orientação… Nós temos que ter a orientação. (…) Nós temos superiores. A orientação não tem sido essa, mas é um erro. Tenho consciência absoluta e falo para pessoas com quem eu converso sobre esse tema, mesmo meus superiores, acho um erro esta administração da comunicação dos funcionários da Sabesp, que são responsáveis por manter o abastecimento, com os clientes.” (http://bit.ly/12qmfVw) (http://bit.ly/1wl1O8O)
        - Disse um diretor da Sabesp, na mesma reunião: “Se repetir o que aconteceu esse ano, do final de 2013, de outubro pra cá, se voltar a repetir em 2014, confesso que eu não sei o que fazer. Essa é uma agonia, uma preocupação. Alguém brincou aqui, mas é uma brincadeira séria. Vamos dar férias para oito milhões e oitocentos mil habitantes e falar: ‘saiam de São Paulo’. Porque aqui não tem água, não vai ter água pra banho, pra limpeza da casa, quem puder compra garrafa, água mineral. Quem não puder, vai tomar banho na casa da mãe lá em Santos, lá em Ubatuba, Águas de São Pedro, sei lá, aqui não vai ter.” (http://bit.ly/12qmfVw) (http://bit.ly/1wl1O8O)
        - Disse o governador Geraldo Alckmin, hoje: “O abastecimento de água está garantido na região metropolitana de São Paulo. Não tem racionamento e não tem desabastecimento” (http://bit.ly/ZQJtSZ). Disse ainda: “Talvez a gente nem precise da segunda reserva técnica. Já passamos pelo período mais seco.” (http://bit.ly/ZQJtSZ)
        - Disse a Sabesp: a segunda cota do volume morto já foi incorporada à medição dos reservatórios do Sistema Cantareira; assim, de 2,9% o sistema passou automaticamente a 13,6% de sua capacidade (http://glo.bo/1tlvTUH). Segundo a Sabesp, porém, o segundo volume morto ainda não começou a ser captado. Segundo a ANA, já começou sim. (http://glo.bo/1sjTzSL)
        - Disse o candidato Laércio, no debate eleitoral: a seca não atinge só São Paulo, mas todo o Sudeste; o governo de São Paulo fez o que podia; o problema mesmo foi que a ANA, do governo federal, não ajudou, porque está aparelhada pelo PT. (http://bit.ly/1D9DRQs)
        - Disse a presidenta e candidata Gilma: a responsabilidade sobre a gestão da água é dos estados; faltou planejamento para a crise hídrica por parte do governo de São Paulo; esta falta de planejamento é uma vergonha; o governo federal ajudou sim. Disse ainda, citando Zé Simão: “vocês estão levando o estado para ter um programa Meu Banho Minha Vida” (http://bit.ly/1D9DRQs)
        - Disse a síndica do meu prédio em comunicado aos moradores: a Sabesp tem interrompido o fornecimento de água todas as noites. É preciso, portanto, continuar economizando água, “até que a situação se normalize”.
        - A síndica do meu prédio acredita que, mais dia menos dia, mais mês menos mês, a situação irá se normalizar em São Paulo.
        E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que domingo tem o boletim do fim de semana.

        23/10/14

        - Jogue no Google os termos “cantareira” e, entre aspas, “recorde negativo”. Você notará que mudam apenas as datas, pois as manchetes se repetem: “Sistema Cantareira bate novo recorde negativo”. Hoje, o Cantareira está em 3% (http://bit.ly/1ixYbCW) - amanhã, estará abaixo disso, pois tem caído cerca de 0,1% ao dia.
        - É preciso lembrar, porém, que esse número é uma ficção, pois em 16/05/2014, quando a Sabesp começou a captar volume morto – água que nunca foi utilizada para consumo humano (http://glo.bo/1lDGAIX) –, “foram acrescidos 18,5% sobre o volume total do sistema”, num passe de mágica – ou, literalmente, num passe de bombas contratadas sem licitação (http://glo.bo/1rs9sXj).
        - Quando, então, podemos esperar que o nível do sistema volte a subir? Por que já não está subindo? Afinal, começou a chover um pouco, e a Sabesp faz tempo que vem reduzindo a pressão da água na rede de distribuição (http://bit.ly/1sVrLrN).
        - Segundo um especialista em gestão ambiental, o nível só voltará a subir depois de pelo menos um mês de muita chuva (http://bit.ly/1wnDalo). Isso porque haverá uma dificuldade extra para repor a água após o uso do volume morto: a terra muito seca sofre um “efeito esponja”, isto é, absorve muito mais água.
        - Concluo então que, se desde o início do ano o governo do estado tivesse implementado um racionamento oficial (e outras medidas de incentivo à redução do consumo da água, não só dos consumidores residenciais como também, e principalmente, da indústria e do agronegócio) e o volume morto tivesse permanecido intocado – para falar apenas na gestão da crise em si e não em obras que deveriam ter sido feitas desde muito antes, como a construção de novos reservatórios e o combate eficaz das perdas para o sistema –, é razoável supor que, agora, os reservatórios do Cantareira estariam voltando a encher.
        - Mas, como não adianta chorar o volume morto derramado, daqui para frente a situação é a seguinte: a ANA prevê que, em abril de 2015, quando começar o período de seca, o Sistema Cantareira sequer terá recuperado a totalidade de seu volume morto (http://bit.ly/1rsaIcS). A título de comparação, em abril deste ano o Sistema estava em 10% de sua capacidade normal.
        - A propósito, guardem este link: Alckmin já garantiu que não haverá racionamento em 2015 (http://bit.ly/1vy1GzT).
        - Ou seja: os danos para a saúde das pessoas (http://bit.ly/1nBmZR1), incrivelmente, não são o problema mais grave do volume morto – ou pelo menos não o único. Retirar volume morto atrasa a recuperação do sistema. Acho que já deu para entender que “atrasar a recuperação do sistema”, além de ser uma expressão precisa do ponto de vista ecológico, é também um eufemismo para “falta d’água maior ainda ano que vem”.
        - Apesar disso, Alckmin quer captar uma terceira cota de volume morto (http://glo.bo/1rsb6bj). O presidente da ANA diz que isso envolve “dificuldades técnicas” e apresenta “riscos por se tratar de insumo de baixa qualidade” (http://bit.ly/1sVwCt0).
        - O quão mais baixa é a qualidade dessa terceira cota em relação à segunda ou à primeira é que eu não sei. Aliás, eu não: ninguém sabe, já que nunca antes na história deste país essa água foi captada. Mas uma coisa os especialistas dizem: “quanto mais baixo o nível dos reservatórios, maior é a concentração de poluentes” (http://bit.ly/1sVwCt0). 
        - Para terminar: lembram-se da relatora da ONU que responsabilizou o governo do estado pela falta d’água, levando Alckmin a enviar um ofício para a ONU em protesto às críticas recebidas? Pois bem: ela afirmou hoje que mantém tudo o que disse (http://bit.ly/1tfnl1t). Afirmou ainda que não tem qualquer interesse político-partidário no Brasil. Incrivelmente, parece que algumas pessoas estão mais preocupadas com a falta d’água do que com o PT ou o PSDB.
        E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

        22/10/14

        - Até hoje, nunca vi o governador Geraldo Alckmin lamentar que pessoas estejam usando água de poços improvisados para cozinhar (http://bit.ly/1qIlmg8) ou que escolas e estabelecimentos comerciais estejam fechando por falta d’água (http://bit.ly/1suoPlI) (http://bit.ly/1ue6lnr). Em compensação, hoje o governador declarou que é “lamentável” que a falta d’água esteja sendo usada para fins políticos (http://bit.ly/ZI8oIa).
        - Só posso concordar com o governador, é claro. É realmente lamentável, por exemplo, que o governo do estado não tenha oficializado o racionamento no início de 2014 – um ano de muitas emoções e muitas eleições –, ignorando uma recomendação de técnicos da própria Sabesp (http://bit.ly/Veidew).
        - É igualmente lamentável que a Sabesp já esteja captando água do segundo volume morto do Cantareira antes mesmo de receber autorização para isso. Segundo a ANA, o segundo volume morto vem sendo usado desde pelo menos 14 de outubro, quando a agência constatou que o nível do reservatório Atibainha estava 38cm abaixo do permitido. No dia seguinte, os técnicos da ANA voltaram ao local. As réguas de medição do reservatório haviam simplesmente desaparecido. A Sabesp nada disse acerca do desaparecimento das réguas (http://bit.ly/1FFL1QF).
        - O governador, coerentemente (visto que “não falta água em São Paulo”), já em 16/10 negou tudo (http://glo.bo/1yZS3hi).
        - E, já que estamos lamentando, vamos ao lamento de uma vida: o mesmo erro cometido com o Sistema Cantareira – isto é, a captação de água acima do recomendado – está sendo repetido com o segundo maior manancial que abastece a Grande São Paulo, o Sistema Alto Tietê. Claramente, não aprendemos nada. O Alto Tietê está em 8,5% de sua capacidade e pode chegar a zero em menos de dois meses. Isso porque o sistema está sendo superexplorado para abastecer a zona leste de São Paulo. Assim, a captação passou de 10 mil para 15 mil litros por segundo, com a autorização do DAEE (lembrando que, no caso do Cantareira, tanto o DAEE quanto a ANA autorizaram que fosse ignorado o sistema de controle de risco do sistema). De início, a Sabesp negou que houvesse crise no Alto Tietê. Depois, tentou ver se tinha volume morto ali. Não tem (http://bit.ly/1rqYjpA).
        - Eu acabei de dizer. Mas não posso deixar de dizer de novo. Porque nada pode ser mais criminoso do que isso. Porque não estou encontrando as palavras certas – as palavras chacoalhantes – para comunicar que, depois de destruir o Sistema Cantareira, estamos destruindo o Sistema Alto Tietê.
        - Vou tentar de novo: estamos acabando não apenas com o maior manancial do estado de São Paulo, mas também com o segundo.
        - Mais uma vez: depois de explorar ao máximo o Sistema Cantareira em plena estiagem, estamos fazendo rigorosamente o mesmo com o Sistema Alto Tietê. 
        - Uma boa notícia, para concluir: o TCU irá investigar a atuação dos órgãos federais (Ministério do Meio Ambiente, ANA, Aneel) na crise hídrica (http://bit.ly/ZOnuvS).
        E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

        21/10/14

        No boletim de ontem, vocês se lembram, ficamos sabendo que o candidato Laércio afirmou que “talvez tenha faltado uma parceria maior do governo federal” na crise hídrica em São Paulo (http://bit.ly/1wkZ6wE). Resolvi investigar por conta própria, então, qual teria sido o papel do governo federal na crise hídrica em São Paulo:
        Procuradores do MPF e do MPE de São Paulo moveram uma ação contra a Agência Nacional de Águas (ANA), o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) e a Sabesp, numa tentativa de impedir a captação desenfreada do volume morto. Repare que a ANA, órgão federal, é ré no processo. Assim, fui atrás da decisão liminar referente à ação dos procuradores para entender qual a participação da ANA na crise até aqui. Cito a decisão (http://bit.ly/1yXHPyT):
        - “A ANA e o DAEE afastaram o sistema de controle de risco do sistema (CAR) por meio da Resolução Conjunta n. 910/14 (p. 6). O gráfico abaixo demonstra que (…) o volume de água a ser desviado para a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) deveria ser drasticamente diminuído (p. 31). Ocorre que, sem qualquer fundamentação plausível, a Resolução Conjunta ANA/DAEE 910/14 afastou a utilização do CAR. Tal ato administrativo passou a fixar como controle de risco ‘as determinações dos órgãos gestores, ANA e DAEE (…)’, pelo que se nota que a premissa para a avaliação do risco em que incorria o sistema passou a ser regido por critérios atécnicos (p. 33)”
        - No entanto, a decisão também afirma: “Mediante estudos técnicos, em especial o produzido pelo INPE/CPTEC, foi verificado, desde 2000, a redução dos índices pluviométricos no estado de SÃO PAULO. (…) Contudo, mesmo diante de todas essas constatações, o Governo de São Paulo e a SABESP não instituíram o rodízio.” (p. 5)
        - E ainda: “é incontestável que o Governo Paulista sabia da crise pluviométrica pela qual passava o Estado de São Paulo há algum tempo, conforme demonstra parte da nota técnica conjunta da ANA e do DAEE, de fevereiro de 2014” (p. 33)
        Portanto, concluo o seguinte – o governo federal (ANA) e o governo estadual (DAEE) são CONJUNTAMENTE responsáveis por:
        - emitir uma resolução que permitiu captações elevadas do Sistema Cantareira, ignorando o sistema de controle de risco do sistema (CAR).
        Já o governo estadual é responsável por:
        - não ter instituído o racionamento oficial no início deste ano, mesmo sabendo da gravidade da situação;
        - não ter levado em conta relatórios de 2003 e 2009 da FUSP que alertavam para o risco de colapso de abastecimento (http://bit.ly/M6INl7);
        - não ter construído reservatórios (cito novamente a decisão liminar: “há anos o estado de São Paulo necessita de novas represas para armazenar a quantidade de água necessária a prover a demanda crescente”);
        - não ter combatido exitosamente as perdas de água causadas por ineficiências no sistema (http://bit.ly/1vveN7j);
        - não ter admitido a gravidade da crise para a população – segundo Alckmin, não falta água em São Paulo (http://bit.ly/1tJVSFZ);
        - não ter instituído nenhuma medida de combate à crise além do programa de bonificação para quem economiza água;
        - não ter feito nenhum plano para o abastecimento do estado caso não chova dentro da média histórica (http://glo.bo/1x70NxV).
        Mas vamos aos falta d’água facts de hoje:
        - Alckmin ataca ONU pela crítica feita por uma relatora da entidade, que afirmou que a crise hídrica no estado é de responsabilidade do governo estadual (http://bit.ly/1FwgioX). (Não contente, a assessoria de imprensa do governo de SP atacou o UOL por ter revelado que Alckmin atacou a ONU.)
        - Enquanto isso, o presidente da ANA voltou a dizer o que já havia dito em 10/10 (http://bit.ly/1wof7Si): não existe uma “terceira” cota de volume morto; isto é, acabando a segunda cota, não tem mais água (http://bit.ly/1or6Ca8).
        - Em reação às declarações do presidente da ANA, o deputado José Aníbal, ex-secretário de Alckmin e atual primeiro suplente de Serra no Senado, chamou o presidente da ANA de vagabundo e disse que ele “torce contra SP” (http://bit.ly/1FzXYeS) (http://bit.ly/1wjm9ZE) (http://bit.ly/1CtgTwZ);
        - Já o secretário da Casa Civil de SP disse que, com suas declarações, o presidente da ANA quer “disseminar o pânico” (http://bit.ly/1tJX3Fs).
        O presidente da ANA eu não sei, mas eu gostaria de deixar bem claro que meu objetivo com estes boletins é exatamente este: disseminar o pânico. Porque depois do segundo volume morto, não existe um terceiro, quarto, quinto e assim infinitamente - e se o fim da água não é motivo para pânico, não sei o que deveria ser.
        Esse foi o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.

        20/10/14

        - Falta d’água ultrapassa Gilma e Laércio e atinge 60% dos moradores da cidade de São Paulo (http://bit.ly/1rmXz4U);
        - Em compensação, brancos, nulos e indecisos superam em muito o Sistema Cantareira, que cai de 3,6% para 3,5% apesar do temporal de ontem (http://bit.ly/1ws03oL) - ou, segundo este outro cálculo, 1,5% (http://bit.ly/1t6N0YY);
        - PSDB enfim desiste de responsabilizar São Pedro pela falta d’água (http://bit.ly/1wkZ6wE). Afinal, para que zoar com o pobre do santo quando sempre se pode culpar o PT? Maldito governo federal, que optou por respeitar a gestão do governador democraticamente eleito Geraldo Alckmin em vez de destituí-lo à força;
        - Mas não façamos comparações com o passado, como diz o candidato Laércio; em vez disso, olhemos para o futuro. Para quem mora na cidade de São Paulo, nada como Itu para nos mostrar o que vem pela frente: (http://bit.ly/1ux0bPr).
        E assim termina o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.

        18 e 19/10/14

        - Sistema Cantareira cai a 3,6% da capacidade de armazenamento… (http://bit.ly/1Fojymj)
        - … ou não. Segundo a Folha, há apenas 1,9%… (http://bit.ly/1qXA3Ml)
        - … e a Sabesp só falta dizer “vocês aí que se entendam, eu não informo mais nada” (http://bit.ly/1jxLjiF e http://bit.ly/1jxLjiF).
        (Alguns hospitais têm adotado a prática de desligar o visor dos aparelhos conectados a pacientes em estado terminal. Quer dizer: se o paciente está prestes a morrer, a família que está com ele no quarto não precisa ser lembrada disso com números alarmantes piscando em painéis coloridos o tempo todo. Os médicos e enfermeiros monitoram os aparelhos de longe, e a família pode esperar a morte em paz - ou, alternativamente, continuar acreditando que de uma hora para outra o paciente irá levantar da maca e sair andando.)
        - Enquanto isso, nos altos escalões do poder (1), os candidatos à presidência da República discutem os importantíssimos temas saúde & educação no debate eleitoral. Só faltou lembrar que não adianta construir mais um milhão de escolas e hospitais se eles não tiverem ÁGUA para poder abrir as portas;
        - Enquanto isso, nos altos escalões do poder (2), a presidente da Sabesp cansou dessa bucha, mas só vai sair depois da eleição (http://bit.ly/1poH8Fw).
        (Passado o primeiro turno, todas as regiões da cidade de São Paulo passaram a registrar falta d’água. Passado o segundo turno e efetivada a demissão da presidente da Sabesp - façam suas apostas.)
        - Enquanto isso, nos baixos escalões da nossa vidinha de sempre (1), os fiscais do Sarney deram lugar aos xerifes da água (http://bit.ly/1rmpemv);
        - Enquanto isso, nos baixos escalões da nossa vidinha de sempre (2), supermercados que recebiam em média 300 fardos d’água por semana (crise hídrica também é cultura: “fardo” é um conjunto de 6 garrafas de água mineral de 1,5L) agora estão recebendo 1500 (http://bit.ly/11TTiks);
        - Enquanto isso, nos baixos escalões da nossa vidinha de sempre (3), salões de beleza e pet shops, como posso dizer de forma educada, se foderam (http://glo.bo/1sEuNQU);
        - Mas nem tudo está perdido: paulistanos como Lorenzo Martin vêm se esforçando para enfrentar a falta d’água com alguma dignidade e - é preciso dizer - ~muita sensualidade~ (http://bit.ly/10bRFy3).
        E esse foi o boletim do fim de semana. Calma que amanhã tem mais.

        17/10/14

        - Com a segunda cota do volume morto, o abastecimento estará garantido até 2015, segundo o governo de São Paulo (http://bit.ly/1wbMU26). Mas em que mês estamos agora?
        - Em São Paulo, não estamos em outubro de 2014, e sim nos idos tempos do Antigo Testamento: pessoas sonham com água, cavam poços, fervem a pouca água encontrada, cozinham com ela, agradecem o milagre alcançado (http://bit.ly/1qIlmg8);
        - Em São Paulo, não estamos em outubro de 2014, e sim no futuro de Mad Max: pessoas recebem água através de caminhões-pipa que, depois de repetidas tentativas de saques e ataques, agora só rodam sob escolta (http://bit.ly/1rjDTP9);
        - Em São Paulo, não estamos em outubro de 2014. Alckmin aprendeu com o pai que só chove em São Paulo nos meses que têm a letra “r” no nome. Neste mês, choveu até agora 0,4 milímetro, sendo que a média histórica do mês é de 130,8mm (http://glo.bo/1wS1nzd);
        - Estamos, portanto, em outublo de 2014.
        E assim termina o boletim de hoje. Calma que segunda-feira tem o boletim do fim de semana.

        16/10/14

        - Alckmin manda a real: a água não vai acabar, ainda tem bastante volume morto para ser usado e, acabando a primeira cota do volume morto, tem uma segunda maior ainda prontinha para ser captada (http://glo.bo/1nrCyKK);
        - A água não vai acabar – exceto nos banheiros da estação Brás do metrô, onde já acabou (http://bit.ly/1DhbXUK);
        - A água não vai acabar – exceto em 34 escolas da cidade de São Paulo, onde já acabou (http://bit.ly/1suoPlI);
        - A água não vai acabar – exceto em 15 unidades de saúde da cidade de São Paulo, onde já acabou (http://bit.ly/1suoPlI);
        - A água não vai acabar – exceto em estabelecimentos comerciais no bairro do Limão, onde já acabou (http://bit.ly/1ue6lnr);
        - A água não vai acabar, mas o caminhão-pipa está até 275% mais caro (http://bit.ly/1svBjJC) – só pode ser culpa da inflação;
        - Em suma: se você, a despeito dos melhores argumentos de Alckmin, tem a leve impressão de que a água está acabando e de que seria bom economizar, as Irmãs Minerato ensinam a encarar a falta d’água de forma sexy sem ser vulgar (http://glo.bo/1CtO4a7).
        E assim termina o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.

        15/10/14

        - Passada a eleição, a falta d’água já afeta todas as regiões da cidade de São Paulo (http://bit.ly/1rucERU);
        - Inclusive os bebedouros do Parque do Ibirapuera (http://bit.ly/1pfj1J3);
        - Inclusive os vizinhos do Alckmin (http://bit.ly/1DesZCU);
        - A Sabesp já admitiu que, se não chover, a primeira cota do volume morto acaba em novembro. Sendo assim, o plano é a) orar para que chova b) captar a segunda cota do volume morto (http://bit.ly/1w9H00w);
        - A parte de orar para que chova já está sendo cumprida por um vereador-pastor de Franca, cidade onde a Sabesp “não assumiu oficialmente o racionamento, mas divulgou uma lista com dezenas de bairros que estão com corte de água” (http://bit.ly/1sspNyC);
        - A parte de captar a segunda cota do volume morto também já começou a ser implementada, apesar de não ter sido autorizada pela justiça (http://bit.ly/1Co08cY);
        - Enquanto isso, a Sabesp não tem com o que se preocupar: a CPI da água na Câmara dos Vereadores de SP é só um teatro que “não tem a menor consequência”, conforme garantiu o vereador tucano Andrea Matarazzo (http://bit.ly/Zu66Ms).
        E assim termina o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.